Vozes insurgentes: potências femininas na cidadania
Mulheres à frente: Maria Sylvia de Oliveira e Simony dos Anjos na luta diária para potencializar vozes femininas nas ruas e no Senado
Por Beatriz Hadler, Clara Hanek, Júlia Sardinha e Thamires Aguiar
![[Imagem: Agência Brasil]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/10/Vozes-insurgentes-capa.jpg)
O Geledés (Instituto da Mulher Negra) desde sua criação, em 1988, tem como trazer questões intuitivas do feminismo negro à sociedade. O seu nome, palavra de origem iorubá – grupo étnico da África Ocidental -, faz referência ao poder feminino sobre a fertilidade da terra, a procriação e o bem-estar da sociedade. “Na tradição iorubá, ‘gueledé’ é uma sociedade de mulheres tratadas, por homens, como feiticeiras devido à sua força”, diz a advogada e coordenadora de políticas de promoção de igualdade de gênero e raça do Instituto, Maria Sylvia de Oliveira.
O feminismo liberal é protagonizado, majoritariamente, por mulheres brancas. Apesar da questão de gênero ser uma pauta universal às mulheres, a raça deve ser discutida na mesma intensidade. Simony dos Anjos, cientista social executiva da Rede de Mulheres Negras Evangélicas, analisa que os debates protagonizados por mulheres, no decorrer do século XX, lutavam pela emancipação da mulher branca em detrimento das liberdades individuais e civis das mulheres negras.
Lélia Gonzalez, filósofa, antropóloga e ativista que deixou legado em toda a América Latina, debateu durante sua trajetória sobre como o eurocentrismo e o neocolonialismo ajudaram na invisibilização das mulheres negras no feminismo. Ela entendeu que a luta antirracista não deveria ser restrita apenas ao feminismo negro, toda a pauta feminista deveria se basear nisso também. Como isso não ocorreu ainda, existe um movimento feminista de mulheres negras latino-americanas que foca nas lutas daquelas que foram deixadas de lado por muito tempo.
Política para todas
“As primeiras pessoas que sofrem os impactos das políticas econômicas do país são as mulheres. As mulheres pobres, as mulheres periféricas, as mulheres negras”
Maria Sylvia de Oliveira
O racismo se expande para o setor social: dos 30 milhões de brasileiros que recebem salário mínimo, 20 milhões são negros, é o que aponta o estudo da iDados, de 2021. A desigualdade de gênero é um problema para todas as mulheres, mas para As mulheres negras ainda têm o fator racial, o que multiplica a dificuldade delas chegarem a espaços de poder.
Como pontua Maria Sylvia “as pessoas com fome não lutarão primeiro por direitos; antes, elas querem provar o próprio sustento.” Isso explica o motivo de que apenas 8% do Congresso Nacional é composto por mulheres autodeclaradas negras ou pardas (2022) , número pequeno mas que ainda é recorde se comparado com anos anteriores. Apenas em 1932 o direito ao voto das mulheres pôde ser garantido, em 1928 houve a primeira mulher prefeita, Alzira Soriano, e entre 1930 e 1940, houve uma 1ª mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil: Antonieta de Barros, deputada estadual.
Presença na Justiça
De acordo com dados do relatório “Justiça em Números 2023”, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as mulheres representam apenas 38% do Judiciário brasileiro – composto por cerca de 18 mil juízes. Dessas, 5% são negras, como destaque no primeiro discurso no plenário da ministra-substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edilene Lôbo, a primeira mulher negra em uma Corte Superior do país. Além da sub-representação, a presença feminina diminui à medida que cresce o grau dos postos . Segundo o levantamento, as mulheres cobriram 40% dos juízes, 25% dos desembargadores e apenas 18% dos ministros de cortes superiores.
Segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Oxford em parceria com a Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), o país tem um percentual de 11,1% de nomeações de profissionais do gênero feminino entre 2000 e 2021 para esses cortes – abaixo da média global de 26%. A síntese desses dados é evidente na composição do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 132 anos de história, apenas 3 mulheres foram nomeadas: Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber foram as únicas entre os 171 juízes que já ocuparam cadeiras do tribunal – e nenhuma delas é negra.
Desafios para permanecer
No Estado do Ceará, o governador Elmano sancionou a Lei 18.447/2023 , de Juliana Lucena (PT), que incentiva a participação feminina no processo eleitoral. É um avanço na política do Ceará ter esse suporte de capacitação, mas precisa disso mostrar como há um atraso na representatividade feminina na política, que além de pouco incentivo para sua iniciação, conta com desafios para sua permanência.
Há inúmeras maneiras de rebaixar mulheres em cargos de poder, e a maternidade é uma delas. As poucas mães atuantes na política sofrem constantes ameaças da oposição contra sua integridade e de seus filhos. Exemplo disso é o caso da ex-deputada federal Manuela d’Ávila (PCdoB-RS) , que recebeu mensagens com ameaças sexuais para sua filha de apenas 6 anos.
Em entrevista, Simony pontua que: “nós vemos um grande número de mulheres negras desistindo da tarefa política devido às dificuldades cotidianas, aos ataques da população e, também, pela falta de estruturas do partido.”
A Emenda Constitucional 117 obriga os partidos políticos a destinar, no mínimo, 30% dos recursos públicos para campanhas eleitorais das candidaturas femininas. Mas, de acordo com o Inesc , faltando 5 dias para as eleições de 2022, das 29.555 candidaturas registradas, 7.067 não declararam a obtenção de nenhum recurso financeiro público (FEFC) para suas campanhas . Ainda de acordo com o Inesc, das candidaturas à reeleição que receberam recursos, 14% são mulheres e apenas 26,63% são de pessoas negras.
Lideranças comunitárias
![Após o assassinato da então deputada Marielle Franco, em 2018, o número de mulheres negras atuantes das atividades políticas, aumentou [Imagem: Reprodução/Instagram/@institutomariellefranco]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/10/Vozes-Insurgentes-1-1024x613.jpg)
O cenário nacional está mais aberto à presença de mulheres em cargos influentes, mas essas posições ainda são ocupadas por um perfil branco, acadêmico e de classe média alta, segundo Simony. Fora da política institucional, o panorama é diferente. “Nas periferias e comunidades, um grande número de mulheres que são lideranças de ocupações, associações de bairros, coletivos e em igrejas evangélicas, por exemplo, são negras”, pontua.
Consideradas líderes comunitárias, elas são agentes de mudanças dentro da política cotidiana, pois atuam nas mobilizações e reivindicações de direitos, ao dar voz e servir como elo entre os moradores, as autoridades e as instituições. A cientista política ressalta que as frentes de lutas por creches, alimentação, moradia, condições de saúde e políticas de inclusão – como de pessoas com deficiência – são essencialmente femininas.
A participação de mulheres na liderança de comunidades não é recente. No período da escravidão, figuras históricas como Dandara, Tereza de Benguela, Aqualtume e tantas outras foram marcantes nas lutas abolicionistas. No episódio da chacina que ocorreu no estado de São Paulo em 2006, Simony aponta que “quem se levanta para defender seus filhos vulneráveis e vitimizados pela polícia naquele momento são as ‘Mães de Maio’”.
Ela explica a necessidade de um diálogo entre a política do cotidiano e a institucional. “O Brasil está acostumado com esse perfil da mulher negra periférica como liderança política comunitária, mas não oficial. Nosso desafio é fazer as pessoas enxergarem que quem luta no dia a dia pela melhoria da vida da comunidade está exercendo política”, esclarece.
Segundo Simony, a população não está acostumada a ver perfis variados nos espaços de poder e decisão por conta de um projeto que considera a política um lugar da elite. Discursos que sustentam a proposta de políticos não receberem salários provocam a reflexão sobre quem pode ou não abrir mão dele. “Essa narrativa é neoliberal. Não encaramos o político institucional como um trabalhador porque, de fato, no Brasil esse lugar sempre foi dos patrões e nunca dos trabalhadores.”
Promotoras Legais Populares
Inspirado em experiências latino-americanas, principalmente nos moldes da Justiça Restaurativa do Peru, a organização feminista e antirracista Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos criou um projeto para repensar o campo jurídico e garantir o acesso à justiça a todas as mulheres.
Em 1993, foi criado o programa de formação das Promotoras Legais Populares (PLPs) na capital gaúcha, Porto Alegre, e hoje, implementado em 11 estados brasileiros. Sem a necessidade de ter um curso jurídico, lideranças comunitárias são instruídas para escutar, orientar e auxiliar outras mulheres na procura de serviços de justiça em caso de violação dos seus direitos. “Muitas delas saíram do ciclo de violência porque a partir dessa formação começaram a compreender que eram vítimas”, acrescenta Maria Sylvia.
“Nós procuramos levar para essas mulheres algumas noções jurídicas”, explica Maria Sylvia. As promotoras compartilham com a comunidade conhecimentos sobre os direitos humanos das mulheres, principalmente em relação à violência doméstica e aos direitos sexuais e reprodutivos. Também abordam a organização geral do Estado e do Poder Judiciário. “Na formação, nós explicamos a importância do Parlamento e as funções dos vereadores, deputados estaduais e federais a partir da Constituição e das vivências e experiências dessas mulheres nas comunidades onde estão inseridas”, completa.
Ao atuar na democratização do acesso à justiça, o Geledés proporcionou encontros com órgãos e instituições governamentais. “Durante dez anos, o curso foi desenvolvido no Hospital Geral de São Mateus, na Zona Leste. Durante quatro anos, conseguimos trazer também para o Hospital Maternidade Escola Cachoeirinha, na Zona Norte de São Paulo”, menciona Maria Sylvia. Porém, ela pontua que, hoje, essas parcerias foram desabilitadas, fato que, para ela, demonstra a retirada dos direitos das mulheres pelo Estado.
Violência doméstica
A 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra as Mulheres, realizada pelo DataSenado em 2023, revelou que 30% das brasileiras já foram vítimas de violência doméstica e familiar provocada por um homem. O levantamento nacional também mostra que 68% das mulheres têm uma amiga, familiar ou conhecida que já sofreu esse tipo de violação. Nas populações mais vulneráveis, os riscos são ainda maiores, assim como as barreiras de acesso aos serviços de proteção e acolhimento.
Maria Sylvia explica que em 1999, ano em que o projeto da Promotoras Legais Populares foi difundido, a violência doméstica ainda era tratada como um crime de “menor potencial ofensivo”. “Atuávamos com a Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas. A violência era vista como briga de casal e resolvida no âmbito privado. A Lei Maria da Penha, a partir de 2006, trata o crime com o seu devido valor ”, aponta a advogada.
Todavia, a pesquisa do DataSenado mostra que menos de um quarto das brasileiras (24%) afirma conhecer a lei e mais da metade acredita que ela protege apenas em partes as mulheres contra a violência doméstica e familiar.
Dificuldades e reformulações
Nos últimos anos, Maria observa a dificuldade de engajamento para a formação das PLPs. Como coordenadora dos encontros em Francisco Morato (SP), a advogada lamenta: “Nós tivemos 53 inscrições, mas apenas oito mulheres vão se formar”. Ela indica que a principal causa para a redução do alcance da formação é o cenário econômico e político atual. “As primeiras pessoas que sofrem os impactos das políticas econômicas são as mulheres pobres, periféricas e negras”, expõe.
Com a maioria das mulheres, principalmente negras, trabalhando na informalidade não resta tempo para fazer cursos e buscar conhecimentos. O levantamento Síntese de Indicadores Sociais 2023 – Uma análise das condições de vida da população brasileira -, divulgado pelo IBGE, aponta que 40,9% do total de trabalhadores do país ocupava posições sem carteira assinada e sem CNPJ. Entre mulheres pretas e pardas, esse percentual sobe para 46,8%.
Diante desse panorama, promotoras como a Maria Sylvia pensam em possibilidades para reformular o curso. Nos novos projetos, ideias como transformá-lo em pequenos módulos, disponibilizar de forma online e encaminhar vídeos e mensagens pelas redes sociais buscam adaptar a formação das PLPs à disponibilidade cotidiana das lideranças populares e impactar as novas gerações.
Ao reconhecer que ressignificar a atuação é necessário, a advogada gostaria de manter o formato presencial. “Essa questão sempre foi muito importante para nós porque é um curso de mulheres. Não é só a formação em si, é levar as noções de Direito. É pensar no acolhimento, na criação de um espaço seguro para que as mulheres possam falar, se abraçar e ajudar umas às outras”, relembra.
Fé, direito e emancipação dos corpos femininos
O Brasil, pelos mecanismos institucionais, é um Estado laico. Na prática da convivência social, o país se destaca dentre os mais espirituais do mundo, segundo a pesquisa conduzida pelo Instituto Ipsos, Global Religion 2023. O levantamento ainda informa que 89% dos brasileiros dizem acreditar em um Deus ou em um poder maior.
“A fé é constitutiva das pessoas, ela motiva, ela dá esperança, ela dá força”, afirma Simony. A religiosidade participa das discussões políticas nacionais desde a catequização forçada dos povos indígenas pelos colonizadores portugueses. Com séculos passados desde esse episódio, as narrativas do fundamentalismo religioso e do neopentecostalismo se expandem, de acordo com Maria Sylvia, nos espaços frequentados pelas mulheres brasileiras.
Como resultado, a membro do Geledés (Instituto da Mulher Negra) indica o crescimento da Bancada BBB – Bala, Boi e Bíblia – no Congresso Nacional. O avanço do poder tutelado pelo último ‘B’ confirma que 56% dos eleitores brasileiros avaliam que política e religião devem estar alinhados, segundo dados obtidos pela pesquisa Datafolha.
Para Simony, a influência da religião nas tomadas de decisões políticas parte do uso de um discurso simplificado que acolhe as experiências vividas pelas populações mais vulneráveis, em especial as mulheres negras. Essa parcela, de acordo com levantamento feito pelo Datafolha em 2019, corresponde a 58% do número de evangélicos no país.
“A religião é um lugar de humanização. Quando a mulher negra perde o filho e precisa ir ao IML fazer o reconhecimento do corpo, quem está com ela é Deus, não as feministas. Deus é quem a conforta quando ela perde um filho ou é violada. É muito difícil competir com um discurso que está tão sedimentado”
Simony dos Anjos
Maria Sylvia diz que as mulheres brasileiras, quando inseridas em ações diretamente relacionadas à política nacional, encaram uma “disputa de narrativas” perniciosa. O embate é protagonizado pelas narrativas religiosas e pelas propostas políticas dos campos das lutas feministas e dos direitos humanos, por exemplo.
O diálogo, de acordo com Simony, pode ser baseado na honestidade entre as mulheres que discutem as decisões religiosas e políticas. Para ela, a fé pode oferecer uma troca de ideias e valores positivos para o público feminino quando elas são as protagonistas da própria fé. Mas, na maioria das igrejas brasileiras, Simony acrescenta que não há esse protagonismo e que, por vezes, os fiéis acabam por ser submissos e controlados a uma ordem instaurada pelos líderes religiosos.
Com base em dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tinha, na época da pesquisa, 579,8 mil estabelecimentos religiosos, enquanto havia 264,4 mil de ensino e 247,5 mil de saúde. O grande número de estabelecimentos religiosos no Brasil demonstra a subjugação existente entre os cristãos, avaliada por Simony. Nesses locais, a acadêmica ainda ressalta a presença de “narrativas de caridade” que são mais próximas e compreensíveis pelo público em comparação às discussões de direitos humanos ou de emancipação dos corpos femininos.
As ações afirmativas pela participação feminina nos locais de debates políticos não são isoladas ao campo progressista, também marcam presença entre os conservadores, de acordo com Simony. Porém, o perfil dessas mulheres, principalmente as evangélicas inseridas no cenário político, não é homogêneo. O PL do Aborto representa essa ruptura.
Simony declara que o Projeto de Lei não foi bem recebido pelos cristãos. Mas a má receptividade não está relacionada com a defesa dos direitos humanos e da liberdade feminina. Pelo contrário, ela analisa que o descontentamento, e o consequente “racha” entre políticos evangélicos, provém da luta pela manutenção da posse masculina sobre os corpos das mulheres. “Você tem esse discurso conservador tomando novas caras, porque controlar a população pela sexualidade é uma ótima forma de controle”, acrescenta.
![Projetos como as PLPs incentivam as mulheres à lutarem pela garantia dos seus direitos sexuais e reprodutivos, como as recentes manifestações contrárias ao PL do Aborto [Imagem: Reprodução/Instagram/@lucasport01]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/10/Vozes-Insurgente-2-1024x676.jpg)
Educar para libertar
“Na minha visão, a última coisa que esses conservadores extremistas querem é que a população tenha uma educação emancipadora porque eles sabem que isso irá derrubá-los”
Maria Sylvia de Oliveira
O modelo de educação tradicional já não supre mais as demandas da sociedade e o Brasil é exemplo disso. No país, o sucateamento do ensino público mantém os abismos de desigualdade social e é um instrumento de perpetuação desta. O sistema educacional que prevê o professor como figura autoritária repressiva não ensina a criança a de fato pensar por si e, portanto, corrobora para o analfabetismo funcional e pobreza da população. O abandono escolar, a desvalorização dos professores e a carência de investimentos também caracterizam uma educação precária.
Conforme os dados do último Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), divulgado em 2018, cerca de 29% da população brasileira de 15 a 64 anos era considerada analfabeta funcional. Isto é, pessoas que passaram pelo sistema educacional e foram alfabetizadas, mas não conseguem compreender significados de texto e enfrentam desafios em tarefas do cotidiano por essa razão. Esse cenário é resultado de falhas históricas na educação brasileira e a parcela da população mais afetada é a negra e periférica. O IBGE divulgou dados do último censo que exibem essa desigualdade: a taxa de analfabetismo entre negros é duas vezes maior do que entre brancos na mesma faixa etária.
A reflexão e o diálogo previstos na educação libertadora defendida por Paulo Freire impulsionam o indivíduo a ser mais consciente e crítico, o que garante o exercício da cidadania em seu máximo. No entanto, os políticos encaram, no geral, a educação como um projeto de governo de quatro anos ao invés de um projeto de Estado — que contribuiria com o desenvolvimento do país nas próximas décadas. Perde-se a perspectiva do resultado positivo a longo prazo, em troca das recompensas e objetivos do curto – como a reeleição, que os preocupa mais que a qualidade de vida da população.
Além disso, as figuras políticas hegemônicas beneficiam-se do analfabetismo: quanto menos crítico for um povo, menos ele reivindica os seus direitos e exige o cumprimento das promessas eleitorais. Tarcísio Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, enviou este ano o projeto de lei para criação das escolas cívico-militares no estado à Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). O programa, encerrado em nível nacional após o fim do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), prevê a contratação de policiais militares aposentados que fiquem responsáveis pela parte “disciplinar” dos alunos — a educação opressiva teorizada por Freire.
O Avesso da Pele, livro de Jeferson Tenório que discute o racismo, teve sua leitura censurada em escolas públicas do Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás. Esse caso não é isolado: em 2024, O Menino Marrom, de Ziraldo, foi suspenso temporariamente das escolas municipais em Conselheiro Lafaiete (MG) e a obra Mulheres Sonhadoras, Mulheres Cientistas foi recolhida pela prefeitura de São José dos Campos das bibliotecas e escolas do município após o pedido de um vereador de extrema direita. O fator em comum entre os vários livros regulados durante a recente ascensão do fundamentalismo religioso é que eles incentivam o pensamento crítico e/ou discutem questões étnico-raciais.
“Eu estou falando de uma educação emancipadora, uma educação que ensine as crianças a se respeitarem, que as ensine a pensar”
Maria Sylvia de Oliveira
Dentro do movimento feminista, é destacada a importância da implementação da educação sexual nas escolas. Estatisticamente, o agressor sexual de crianças é alguém próximo a elas: em 68,7% dos casos a violência ocorre no ambiente residencial . É preciso que a escola seja um espaço que, além de acolhedor, todas as crianças reconheçam o que se configura como abuso, para que elas saibam identificar e se sintam confortáveis em denunciar eventuais ocorrências.