Serviços à saúde são prejudicados com dispersão na ‘Cracolândia’

Modo como os tratamentos de indivíduos na região ocorre sofreu alterações após a dissipação

Por Hellen Indrigo Perez, Mariana Kawanaka de Pontes e Natália Sakane Stucki

Foto: Alexandre Carvalho/Wikimedia Commons

Após a recente desocupação da área no centro de São Paulo em que a “Cracolândia” costumava se localizar, profissionais da saúde relataram mudanças estruturais no tratamento aos usuários. Locais que antes eram destinados ao atendimento voluntário dos indivíduos, hoje recebem uma rotatividade muito maior de pessoas que chegam ali por consequência da coerção com que são retiradas das ruas. Além disso, segundo fontes, o acompanhamento psicológico foi abandonado como metodologia em alguns locais.

A Prefeitura de São Paulo, em sua conta oficial no Instagram, afirmou que os atendimentos aos indivíduos da região passaram de 5.532 em janeiro para 10.061 em abril – aumento que, de acordo com a prefeitura, advém de suas ações na região, que “tem intensificado desde 2021 políticas públicas de atendimento aos usuários de crack”.

João (uso de nome fictício, pois a fonte não quis ser identificada), é um psicólogo que trabalhava em uma clínica destinada ao atendimento dos usuários, e foi demitido poucos dias depois da dispersão do fluxo de pessoas da região. Em entrevista ao Central Periférica, ele conta que antigamente o contato entre os usuários e os profissionais da saúde na clínica onde ele trabalhava era feito voluntariamente: agentes de abordagem tentavam convencer os indivíduos em situações precárias a buscar tratamento, mas essa alternativa era colocada como uma opção estritamente pessoal.

Quando a pessoa abordada se decidia pela desintoxicação, ela era levada a hospitais especializados, onde passava por uma triagem. Depois dessa etapa, o paciente poderia ser submetido a uma internação breve, de 2 a 3 dias, ou uma longa, de 30 dias. Em alguns casos, os indivíduos poderiam ser encaminhados para hospitais de grande porte ou comunidades terapêuticas, que oferecem 6 meses de internação. Porém, segundo João, a parte mais importante do processo era a liberdade dada aos pacientes de interromperem o procedimento quando quisessem. 

Após a dispersão dos indivíduos do local, João afirma que esse serviço de tratamento sofreu com a superlotação, já que os usuários foram removidos das ruas forçadamente e se destinaram às clínicas de desintoxicação. De acordo com ele, a estrutura do prédio em que trabalhava não era adequada para o grande fluxo de pessoas, e vários leitos precários foram instalados um ao lado do outro no local para dar conta do aumento da demanda.

João também pontua que esse novo modelo de operação da clínica dispensa o atendimento psicológico dos pacientes, o que motivou a sua demissão e de outros colegas. Ele conta que o espaço passou a funcionar como uma enfermaria passageira, abrigando as pessoas por poucos dias até a sua liberação. De acordo com João, essa mudança cria uma impressão de esvaziamento das ruas, mas o problema continua ali: “Houve uma rotatividade muito grande, as pessoas ficam um ou dois dias e pedem alta. E o maior prejuízo para essas pessoas é continuar na situação catastrófica da Cracolândia, que não é só o uso de drogas, e sim não ter um lugar para ficar ou retornar”.