Racismo dentro do campo: uma necessidade de enfrentar o preconceito
Caso de injúria racial envolvendo jogador do América-MG expõe o racismo recorrente no futebol brasileiro e levanta debates sobre a ineficácia de punições no combate ao preconceito no esporte
Por Bernardo Medeiros, Carolina Ziemer, Gabriella dos Santos e Laura Roson

Durante uma partida da Série B do Brasileirão entre o Operário-PR e o América-MG, o jogador Allano, do time paranaense, foi alvo de ofensas racistas por parte do meia-atacante adversário, Miguelito, no dia 4 de maio.
Aos 30 minutos do primeiro tempo, Allano afirma que foi chamado de “preto do c…” por Miguelito. Após ser avisado sobre o ocorrido, o árbitro da partida, Alisson Furtado, interrompeu o jogo por 15 minutos para analisar o episódio, conforme determina o protocolo antirracista da Fifa e da CBF. De acordo com Furtado, nenhum dos árbitros notou o acontecido e o jogo foi retomado com os dois jogadores em campo.
Miguelito foi preso em flagrante por injúria racial logo após a partida, porém foi solto em menos de 24 horas, respondendo pelo crime em liberdade. No dia 19 de maio o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) suspendeu o atleta por cinco jogos.
Esse tipo de atitude em campo não é um caso isolado. Em 2014, o jogador Daniel Alves também foi vítima de racismo durante uma partida na Europa onde um torcedor atirou uma banana no campo em sua direção. Esse episódio deu visibilidade mundial ao assunto e foi considerado o estopim para mobilização contra o racismo no esporte.
Por trás das ocorrências
Em entrevista ao Central Periférica, Danilo Pássaro, membro da Gaviões da Fiel, criticou o caráter pontual de campanhas anti-racistas no futebol brasileiro, como a “Somos Todos Macacos”, de Daniel Alves. Segundo ele, essas ações têm forte apelo midiático, mas carecem de continuidade e impacto real, de forma que funcionam mais como alívio de imagem para clubes e instituições do que como instrumentos de transformação social.
Pássaro também apontou que o racismo no Brasil raramente é explícito, ao contrário do que sugerem essas mobilizações. “O combate precisa ser tratado como parte estrutural do futebol, desde as categorias de base até a gestão das entidades esportivas. Só assim deixaremos de reagir aos casos de racismo como se fossem exceções”, afirmou o corintiano.

Como consequência dessas iniciativas sem prosseguimento, as situações preconceituosas seguintes recorrentes. Este ano, Luighi, jogador do Palmeiras, foi alvo de ataques racistas durante a partida pela Taça Conmebol Libertadores sub-20 em Assunção, no Paraguai. Enquanto eram substituídos, os torcedores adversários cuspiram nele e faziam gestos que imitavam macacos. Na entrevista pós-jogo, ele expôs o caso e cobrou providências da Conmebol (Confederação Sul Americana de Futebol), atitude que foi elogiada pelo público e incentivou o debate sobre a ausência de mecanismos que protejam os atletas que denunciam o racismo.
Prevenção é necessária
De acordo com o recente 10º Relatório de Discriminação Racial no Futebol, produzido em parceria da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com o Grupo de Estudos sobre Esporte e Discriminação da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), houve um aumento dos casos de racismo no futebol brasileiro, chegando a 136 ocorrências em 2023 — 38,77% a mais do que no ano anterior.
Segundo Carlos Costa, diretor-geral do coletivo LGBTQIA+ PorcoÍris e ativista de causas sociais como o racismo e a LGBTfobia, esse aumento dos casos pode estar sim relacionado a uma maior eficiência das autoridades em identificar as ocorrências, mas não só isso: “Hoje em dia a vítima tem mais força, mais raiva, mas o preconceito também tem crescido com o avanço do conservadorismo e da extrema-direita nos últimos anos” .
Costa ainda acredita que, mais do que identificar e punir os casos de racismo no futebol, as autoridades também precisam trabalhar em campanhas preventivas durante toda a temporada, e não apenas quando algo acontece: “Tendo educação, as coisas podem começar a mudar” .