Projetos esportivos buscam mudança de vida
Ações esportivas em comunidades periféricas beneficiam a inclusão de jovens na sociedade.
26/04/2024
Rafael Dourador e Gabriel Alegreti

Treino na rua do projeto Gibi [imagem: Rafael Dourador/Central Periférica]
O esporte é um importante instrumento de socialização de jovens periféricos. Todos os anos, projetos sociais esportivos afastam crianças e adolescentes desamparados das más influências das ruas – como as drogas, por exemplo – e auxiliam na inserção dessas pessoas na sociedade.
De acordo com uma pesquisa feita com mais de mil brasileiros conduzida pelo Banco BV, em parceria com o Instituto Mind&Miners, e divulgada no portal UOL Notícias, em novembro de 2022, 88% dos entrevistados consideram o esporte uma ferramenta de transformação social.
Além disso, 35% consideram que a prática valoriza aspectos como socialização, respeito, cooperação e inserção na sociedade e 11% acreditam que ele amplia a representatividade social e diminui preconceitos raciais e de gênero.
Um outro estudo, realizado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, concluiu que “a inclusão social, as mudanças positivas de comportamento, o preenchimento do ‘tempo livre’, o aumento do desempenho escolar, a aprendizagem das modalidades esportivas e o aperfeiçoamento do desempenho motor” são os principais benefícios dos projetos sociais esportivos.
A Taça das Favelas é um destes eventos transformadores. Idealizada e fundada em 2012 pela CUFA (Central Única das Favelas), e ocorre anualmente e reúne centenas de jovens da periferia para demonstrarem seus talentos no futebol.
Ultrapassando a questão profissional, está o benefício social da ação. O campeonato traz às favelas uma visibilidade única e busca ressignificar as vidas periféricas. Não são apenas nomes ou estatísticas em notícias de tragédias da vida longe dos centros, são jovens atletas buscando firmar o seu valor na sociedade.
Atleta fala da mudança
Isamara Rodrigues, mais conhecida como Baratinha, é uma atleta de 29 anos que foi protagonista na última edição da Taça das Favelas atuando pelo Campanário Diadema. Ela conta que participar da final do campeonato foi algo muito positivo:
“Eu fiquei muito feliz pelo que aconteceu tanto na Taça das Favelas quanto no nacional. Foi uma repercussão muito grande. Então, fico muito grata a Deus pela oportunidade que me deu de poder fazer o que eu gosto e trazer alegria para as pessoas. Hoje muitas crianças das comunidades de Diadema tem eu como exemplo e isso pra mim é muito gratificante”.

Isamara Rodrigues, a “Baratinha”, comemorando título da Taça das Favelas 2023 [Reprodução: Isamara Rodrigues/Instagram]
A luta na periferia
Apesar da grande popularidade, o futebol não é unanimidade. Em Taboão da Serra, uma organização de lutas proporciona aos jovens da região não apenas os valores do esporte, mas também de uma educação formal de qualidade.
A associação Gibi – uma referência ao apelido de Antônio Jesus, ex-lutador e criador da ONG – trabalha com oportunidades e inserção dos jovens esquecidos pelo sistema.
Multicampeão pelo São Paulo, São Caetano do Sul e seleção brasileira, Gibi iniciou sua carreira no boxe aos 13 anos em uma academia de Salvador, quando ainda trabalhava como camelô de roupas com sua tia. Lá, foi campeão baiano e conquistou os olheiros da equipe tricolor, que contratou o atleta para lutar pelo clube.
Aos 18 anos, ele se muda para a capital paulista, onde consolida sua carreira no boxe e se envolve com projetos de apoio a jovens atletas mesmo após sua aposentadoria, em 2006.
O projeto Gibi Esporte Educação é o mais recente deles. Voltada para acolhimento e desenvolvimento de jovens do Jardim São Judas Tadeu, em Taboão da Serra, a associação oferece treinos de boxe, muay thai, capoeira, jiu-jitsu e karatê.

Equipe de alto rendimento de boxe da Associação Gibi. Antônio Jesus está à direita com luvas verde-água. (
[Imagem: Rafael Dourador/Central Periférica]
Aos atletas de alto rendimento, Gibi disponibiliza alojamento e alimentação juntamente com os treinos, sem cobrança de taxas. Atualmente, 12 lutadores de diversos estados brasileiros ocupam as acomodações da associação.
Além dos treinos, a partir de 2021, Gibi sentiu a necessidade de adicionar aulas de reforço escolar, inglês e informática. “Os colégios estão muito carentes”, diz o ex-lutador.
Os alunos são divididos por etapas de escolaridade e todos aprendem no mesmo ambiente, no terceiro andar do prédio. Gibi aponta que contou com apoio financeiro de uma empresa para pagar os salários dos professores e implantar as aulas no projeto.

Aulas de reforço escolar são aplicadas no último andar da associação Gibi [Imagem: Rafael Dourador/Central Periférica]
Ele destaca que uma das barreiras à perpetuação do esporte como agente socializador dos jovens periféricos é a falta de investimento e apoio multilateral nas categorias de base, desde empresas privadas a projetos governamentais.
Segundo o ex-atleta, a associação é mantida com o dinheiro que ele ganha com aulas particulares de luta em outra academia e com o apoio da Lei de Incentivo ao Esporte, a qual permite que recursos provenientes de renúncia fiscal sejam aplicados em projetos desportivos e paradesportivos distribuídos por todo o território nacional.
No entanto, ele aponta que as dificuldades financeiras típicas de famílias pobres da periferia dificulta a permanência dos jovens no esporte:
“As mães querem chegar em casa e ver o filho com dinheiro para poder comprar comida, comprar um arroz, comprar um feijão…A criança que só fica focada em treinar e não recebe dinheiro, como a mãe vai deixar continuar? Não vai deixar. O cara que trabalha e ganha 2 mil reais dá para quê? Para quase nada.”
O ex-atleta utiliza o exemplo de Cuba, onde ele aponta que o esporte é visto como pilar da formação dos cidadãos:
“Em Cuba, o esporte é o principal, eles plantam o esporte como uma ferramenta de trabalho. Se eu tiver cinco filhos na minha casa, os cinco filhos não vão ficar dentro da minha casa, eles vão ao centro de treinamento. Vão treinar, vão estudar, vão comer e fazer tudo ali. O filho vai descobrir o que quer. Tem várias modalidades porque lá tem a vila olímpica. O esporte, em geral, te dá uma abertura de vida. Se não fosse o boxe, eu não saberia como estaria minha vida hoje.”

Antonio Cruz, o”Gibi”, mantém projeto social esportivo em Taboão da Serra (SP) [Imagem: Rafael Dourador/Central Periférica]
Quem fala sobre essa abertura é o atleta de 14 anos, Enzo da Silva, que treina na associação há dois anos e sonha em ser atleta profissional de boxe. Ele destaca a importância da modalidade e da associação:
“O boxe é o esporte que muda vidas, que ajuda muito no condicionamento físico e pessoas que têm problemas de saúde. Acho o projeto muito bom, que tira muitas crianças do caminho errado que, no futuro, podem até mexer com tecnologia”, afirma Enzo.
Para participar dos treinos da Gibi, basta comparecer à academia, que fica na rua Sati Nakamura, 200 – Jardim São Judas. É necessário levar documento de identificação pessoal e menores de idade precisam estar acompanhados pelos responsáveis.

Moyses Ritz Lira dos Santos – atleta da categoria Elite de boxe – em treino na rua do projeto Gibi [Imagem: Rafael Dourador/Central Periférica]