População em situação de rua sofre com os impactos do frio

Com a chegada de temperaturas mais baixas, moradores de rua enfrentam problemas de saúde e o risco de fatalidades

Por Amanda Yoshizaki, Sofia Matos e Eduarda Silva

Defesa Civil distribui cobertores, colchões, roupas e água para os moradores de rua que sofrem com o frio – Foto: Reprodução/Flickr

Com a chegada das frentes frias, o frio deixa de ser apenas desconforto para se tornar uma ameaça real à vida de milhares de pessoas em situação de rua. A exposição prolongada a baixas temperaturas pode levar a uma série de complicações médicas, muitas vezes fatais, especialmente em populações vulneráveis e sem acesso a cuidados básicos.

O Brasil registrou 335.151 pessoas em situação de rua em março de 2025, de acordo com os dados do Observatório da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A exposição desta parcela da população ao frio extremo, muitas vezes sem cobertores ou roupas adequadas, impacta diretamente na saúde dos indivíduos. O clima frio e seco, somado à poluição urbana, piora problemas pulmonares em pessoas já fragilizadas pela fome e pela falta de assistência médica.

De acordo com Gonzalo Vecina, médico sanitarista, fundador e ex-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), “o frio estimula aglomerações, o que cria um ambiente propício para a disseminação de doenças infectocontagiosas, especialmente as transmitidas por via respiratória, mas também doenças reumatológicas e infecções de pele”. O doutor também destaca o aumento de problemas respiratórios, como sinusite, bronquite, asma, rinite alérgica, que estão muito presentes no inverno.

Segundo o Dr. Vecina, a falta de higiene, de água potável, de roupas secas, somada à exposição constante ao frio e à fome, são fatores que agravam significativamente os casos clínicos. “A ausência de abrigo adequado para se proteger da chuva e do vento compromete ainda mais a saúde dessas pessoas. O que está em jogo aqui não é apenas a qualidade de vida,  é a própria sobrevivência dessa população”

As ondas de frio que atingem o Brasil provocam um certo número de mortes entre pessoas em situação de rua. Em maio de 2025, dois moradores de rua foram encontrados mortos em Porto Alegre devido à exposição à baixa temperatura que agravou um caso de broncopneumonia de um dos indivíduos, enquanto o outro foi encontrado sobre um colchão encharcado pela chuva. Este não é um caso isolado, outras situações como essa são registradas por todo país ao longo do ano. 

Roberto Campos, morador de rua da região oeste da cidade, conta que para se proteger das noites geladas tem dormido em um carro, doado por um funcionário de uma empresa próxima. “O cara me doou um carro para eu dormir, pra mim não passar tanto frio como eu estava passando, me doou até alguns cobertores”, diz. Sem acesso a moradias fixas ou estrutura para se proteger, o improviso para enfrentar o frio vira a solução. 

Roberto diz que, apesar da situação, não costuma ter problemas de saúde durante o inverno. “Problemas de gripe, dor de cabeça, eu não tenho nada disso não”, conta. Ainda assim, ele destaca que a maior falta é de um espaço fixo para dormir. “O que mais me faz falta? Uma casa, né? Um quarto, um lugar para dormir, onde eu possa ficar aquecido”, relata ele.

Segundo ele, antes de dormir dentro do carro, quando possível, tentava ficar perto de outras pessoas que também estão na rua para se aquecer melhor. “A gente fazia o que dava, juntávamos papelão, alguns cobertores, mas tinha noite que nem dava pra dormir de tanto frio”.

Medidas de proteção e abrigos: o papel das políticas públicas

Diante dos riscos do inverno, segundo o sanitarista Vecina, a proteção à população em situação de rua depende da articulação de políticas públicas coordenadas principalmente pelos municípios. “É o município quem conhece o território e deve prever os ciclos do frio com antecedência”, explica. Ações de prevenção envolvem a distribuição de roupas e cobertores, oferta de alimentação quente e acesso à higiene pessoal, além da ampliação dos abrigos temporários.

Ele reforça ainda que a vacinação é uma frente essencial: campanhas contra gripe e Covid-19 precisam alcançar essa população, que apresenta baixa imunidade e alta incidência de comorbidades como hipertensão, diabetes e doenças respiratórias. Mesmo sendo grupo prioritário, muitos ainda não são imunizados por barreiras no acesso.

Sobre os abrigos, Dr. Vecina alerta para seu papel ambíguo: “Eles protegem contra o frio, o que evita a hipotermia — condição que pode levar à morte —, mas se mal estruturados, podem também favorecer a transmissão de doenças”. Ainda assim, reconhece que são fundamentais para reduzir os impactos mais imediatos da exposição ao frio.

Em São Paulo, além da rede fixa de acolhimento, a Prefeitura de São Paulo coordena a Operação Baixas Temperaturas, recebendo doações de roupas, calçados e cobertores em UBSs, AMAs e pontos fixos como a Secretaria de Direitos Humanos e Poupatempos  e são ativados abrigos emergenciais em noites com temperaturas abaixo de 13 °C. O acesso pode ser feito via abordagem da assistência social ou pela central 156. No entanto, a ocupação é alta e muitos recusam o acolhimento por medo, superlotação ou regras rígidas. Como aponta Vecina, “a verdadeira solução está na redução da pobreza e na criação de políticas integradas que enfrentam as causas da exclusão social”.

Além das ações públicas, a mobilização da sociedade civil e de campanhas como a “Aquece SP” reforça a rede de apoio no inverno. Diversas ONGs estão promovendo a entrega de kits (moletom + higiene + refeição quente) e atendimento médico, psicológico e social em tendas na cidade. Qualquer cidadão pode doar roupas em bom estado, cobertores, toucas, luvas e até alimentos não perecíveis, e acionar a central 156 para encaminhamento de moradores de rua que precisam de abrigo.