Periferias sofrem com longas filas para agendar exames preventivos
Pesquisa realizada entre 2010 e 2019 indica que há uma chance até vinte vezes maior de morte por doenças crônicas entre a população periférica
Por Arthur Souza, Fernando Simões e Nicolas Sabino
Mesmo com as campanhas como o Setembro Vermelho, que chamam a atenção para a importância de cuidar da saúde do coração, milhões de brasileiros que vivem em regiões periféricas não são amparados pelo sistema público de saúde. A dificuldade de acesso a diagnósticos precoces nas Unidades Básicas de Saúde tem resultado em mortes que incidem mais diretamente sobre populações de baixa renda e que poderiam ser evitadas com tratamento de qualidade.
Maria Rita Soares tem 19 anos e é moradora do Jardim Alvorada, Zona Sul de São Paulo. Há cerca de seis meses, ela apresenta perda de peso, sofre de náusea e tontura, e sente fadiga e maior vontade de urinar. Em abril deste ano, Maria compareceu a uma triagem na UBS do bairro, que preferiu não identificar, em que foi atestado um possível diagnóstico de Diabetes Mellitus do tipo 2. Desde então, a jovem tenta agendar uma série de exames vasculares, mas encontra complicações.
“A capacidade de atendimento esteve especialmente reduzida no mês de julho. As filas crescem diariamente e a unidade não dá conta de recolher todas as senhas, e então mais da metade das pessoas aguardando é mandada de volta pra casa. Mesmo para exames simples como os meus, dizem que estão com pouco pessoal e que não poderei ser atendida”, relata.
No bairro do Grajaú, onde mora Maria, o tempo médio de espera por uma consulta de atenção básica é de 12 dias, segundo dados do Mapa da Desigualdade de 2024, organizado pelo Instituto Cidades Sustentáveis e Rede Nossa São Paulo. Outras regiões periféricas apresentam realidades ainda mais degradantes, como os distritos de Jardim Campo Grande e Cidade Líder, que lideram a estatística com uma espera média de 39 dias.
“Fica o sentimento de tristeza e apreensão, porque sinto que estou perdendo tempo que poderia estar usando para iniciar um tratamento, caso eu realmente receba o diagnóstico. Sem querer, acabam te forçando a procurar clínicas particulares para realizar seus exames, como tenho feito. Mas não é fácil encontrar um lugar barato, confiável e higiênico para quem não consegue pagar”, conclui.
A importância da prevenção
As doenças cardiovasculares continuam sendo a principal causa de morte no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). São mais de 1.100 mortes por dia, o equivalente a um falecimento a cada 90 segundos. Problemas no coração e na circulação matam mais do que todos os tipos de câncer juntos. A ausência de acompanhamento aos pacientes e a impossibilidade de realizar exames simples com a devida frequência, como eletrocardiograma ou medição da pressão arterial, atrasam os diagnósticos de hipertensão ou arritmias, que ocorrem somente em estágios avançados, nos quais o risco de óbito é maior.
Um levantamento feito pela Data Favela em 2023 mostrou que 70% dos moradores dessas regiões sentem que têm menos acesso ao diagnóstico de câncer, por exemplo. A falta de estrutura das unidades básicas e a demora para marcar exames mais detalhados e indispensáveis para doenças crônicas e graves são as principais dificuldades enfrentadas por pacientes em regiões vulneráveis.
Desigualdade na qualidade dos atendimentos
Quando o diagnóstico demora, as chances de complicações aumentam, o tratamento se torna mais difícil e o sistema público de saúde fica sobrecarregado. Muitas dessas doenças poderiam ser controladas desde o começo com exames simples e regulares. A pesquisa publicada em 2024 pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, em colaboração com a Umane, que coletou dados de 2010 a 2019, aponta para maiores chances de óbito para residentes em bairros periféricos, quando comparados aos pacientes de regiões nobres da capital paulista.
De acordo com o censo, a taxa de mortalidade por diabetes entre as mulheres é 20 vezes maior entre populações economicamente vulneráveis. O Jardim Helena, na Zona Leste de São Paulo, possui uma média de duas vítimas de Diabetes Mellitus do tipo 2 a cada mil habitantes e detém a maior taxa de mortalidade para a doença na cidade. Para enfermidades cerebrovasculares, como AVCs, a média de fatalidade mais alta entre homens é encontrada em Perus, bairro da Zona Sul paulistana, que registra cerca de 1,7 óbitos. A mesma taxa pode ser vista na região da Brasilândia, ao norte, para falecimentos por mal isquêmico ligado ao coração.
Existem iniciativas que alertam para situações de risco, como a campanha Setembro Vermelho, que reforça a importância de realizar exames de rotina regularmente, e o movimento Outubro Rosa, responsável pela prevenção contra o câncer de mama. As elevadas taxas de mortalidade nas periferias, significativamente maiores se comparadas às estatísticas nos bairros de elite, indicam que a precarização dos serviços de atendimento básico mantém as unidades de saúde pública pouco eficientes e diminuem os efeitos das ações de conscientização mencionadas.
