Para batalha de rima, disque 019
As batalhas de rima estão cada vez mais presentes nas cidades interioranas, a exemplo da Batalha do Cálice, em Campinas, que cresce em sua história, artistas e público
Por Mariana Pontes e Natália Stucki

As batalhas de rima estão se expandindo em termos de participantes e ouvintes, mas também de território. Nelas, MCs revezam-se em turnos para ter rimas improvisadas, mas coerentes e dentro do ritmo da música. O público lá presente também participa ativamente das batalhas, tendo o papel de criar a energia do ambiente e até mesmo decidir os vencedores dos duelos.
Esses eventos, culturais, políticos e de lazer, são a oportunidade de muitos jovens se manifestarem através do freestyle, desenvolverem suas habilidades e continuarem a construção de seus pensamentos. O duelo é comum entre a juventude como um palco para resistência, expressão cultural e luta pelo o que acreditam.
As batalhas na capital
As batalhas de rima já fazem parte do cenário cultural da capital paulista e reúnem o público de todas as regiões, além de milhares de visualizações em transmissões nas redes sociais. Elas tiveram sua origem na década de 1970, no bairro do Bronx em Nova Iorque, no contexto da produção cultural do hip hop pela juventude marginalizada.
Já no Brasil elas chegaram por volta da década de 1990, com a popularização de eventos produzidos pelos grupos “Batalhão de Rimas” e “Academia Brasileira de Rimas”. A primeira batalha brasileira de que se tem registro é a Batalha do Real, que surgiu em 2003 no Rio de Janeiro, e de seu sucesso veio a Batalha de Santa Cruz, precursora do movimento em São Paulo. A partir de então elas começaram a ficar mais organizadas e regulares, em locais de facilidade de encontro para pessoas de diferentes periferias, principalmente nas estações de metrô.
Ao lado da estação de Santana, por exemplo, acontece a Batalha da Norte. Matheus, estudante que acompanha essa e outras batalhas por toda São Paulo há mais de três anos, conta que a proximidade do metrô é algo que o incentiva a consumir a cultura presencialmente, e não só pelas redes sociais. “Fica mais fácil de vir, de voltar, e mais gente acaba vindo também”.
“Aqui você sente a vibração da galera, é outra coisa”, Matheus, público nas batalhas de rima
A importância dessa imersão é algo que Juliana, que começou a frequentar a Batalha da Norte recentemente, por influência de amigos, também ressalta. Ela comenta que as batalhas já criaram nela um senso de comunidade com as outras pessoas que as frequentam, além de ajudarem a incentivar a cultura local, que de outro modo seria mais difícil acessar. “As batalhas não só fortalecem a cena, elas aproximam a gente da nossa própria cultura”, diz ela.

Expansão para o interior
Essa concentração das batalhas de rima na metrópole, porém, é algo que dificulta a participação de indivíduos que moram em lugares mais afastados, como no interior paulista. “Nem todo mundo tem acesso para sair daqui, para a capital e para uma Aldeia da vida. Então trazer pra cá, meu, é um passo revolucionário”, salienta Punka, artista, produtora e MC.
Esse acesso aos eventos possibilitam que a cultura seja levada a pessoas que antes não tinham essa chance. De acordo com Pâmela e Sophia, as quais frequentam diferentes batalhas em Campinas e rodas culturais, concordam que o maior acesso que elas, como pessoas periféricas, possuem à cultura é com base na batalha de rima: “Eu acho que agrega muito para essa questão cultural, do acesso à cultura de rua. Toda essa parada aqui é muito banalizada hoje em dia”, diz Pâmela.
Esses espaços, que muitas vezes contam com o mic aberto, abrem portas para artistas que podem apresentar seu trabalho para um público maior, ganhando experiência e desenvolvendo suas habilidades. Essa oportunidade também se liga com a organização, a exemplo de Sophia, que é artista e apresentadora de batalha, e que busca começar a batalhar no futuro.
As batalhas de rima, para Punka, têm sua importância em seu poder de revolução e educação social: “Eu acho que é isso que me motiva mais. Fazer a diferença no espaço”. Essa sua preocupação foi intensificada a partir do maior consumo das batalhas por jovens, pois percebe que suas falas influenciam os outros que estão assistindo. “Já é uma cultura marginalizada, então se a gente não criar consciência disso, do poder que a gente tem, de fala, de mudança… E sim, zoar e atacar o outro, mas também criar esses momentos de conscientização”, completa a MC.

Os duelos de MCs do interior estão em constante crescimento e algo notável nessa expansão são as parcerias com as batalhas da capital. Um exemplo foi a Batalha da Aldeia contra a Batalha do Cálice (localizada em Campinas e considerada uma das maiores do interior), que ocorreu no dia 1° de junho, na cidade campineira.
Essas conexões e seus pontos positivos e negativos divergem opiniões. Ainda que considere esses contatos com o exterior muito importantes e valorize a chance de MCs do interior rimam com os de fora, Punka acredita que a prioridade deveria ser fortalecer o movimento de lá, pois possuem o público e os artistas extremamente avançados, mas que não são valorizados.
Ikki, organizador da Batalha do Cálice, acredita que essa parceria será o maior evento que já coordenou: “Eu acredito que a Batalha do Cálice, tendo esses contatos com batalhas da capital, traz algo que já faltava há muito tempo no interior”. Ressalta também o peso da responsabilidade que surge com o crescimento, não só no Cálice, mas de qualquer movimento cultural que esteja à frente.
“Esse contato traz simplesmente as câmeras que não são trazidas para cá, os olhos, a visibilidade, que a gente merece e deveria ter, mas que, por diversos motivos, acaba não tendo”, Ikki, organizador da Batalha do Cálice
Além da Batalha do Cálice, existem muitos outros duelos na região, os quais também são frequentados por muitos dos entrevistados. Batalha da Home, Batalha da OMG e Estação da Rima são alguns exemplos das organizadas também em Campinas, um dos locais no interior para o qual as batalhas estão se consolidando cada vez mais, a exemplo da lei sancionada em 2024, que coloca o dia 22 de fevereiro como Dia Municipal da Batalha de Rima em Campinas.