O impacto das mudanças climáticas nas periferias
Como a organização das grandes regiões metropolitanas e a ausência de justiça climática amplificam as consequências do aquecimento global
02/05/2024
Gabriela Nangino, Louisa Coelho e Theo Schwan

[Imagem: Theo Schwan/Central Periférica]
A sensação térmica na cidade de São Paulo, no mês de março, passou de 39ºC. Mas quem realmente sentiu essa temperatura? É inegável que o calor e as sensações extremas – que causam desconforto diário à população – estão cada vez mais intensos. Porém, nem todos são afetados igualmente: os moradores de áreas desassistidas, que utilizam mais comumente transportes públicos desordenados, e residem em regiões com infraestrutura precária e sem um projeto arquitetônico pensado para a redução de danos climáticos, têm seu sofrimento imensamente ampliado.
Andando pelas ruas do centro de São Paulo, é possível observar a predominância de áreas verdes nas regiões nobres. Os altos prédios, climatizados e cercados por praças e parques arborizados, são a exceção. A maior parcela dos habitantes ainda vive em regiões superpopulosas, compostas por construções amontoadas e muito distantes de qualquer adaptação que garanta qualidade de vida.
Ana Paula, residente do bairro Jardim Record, em Taboão da Serra, trabalha na Zona Oeste de São Paulo e expõe, em entrevista ao Central Periférica, as disparidades que percebe entre os ambientes em que transita. Ela relata que se sente insegura em relação a possíveis desastres ambientais na região onde mora, principalmente enchentes, que são comuns nos arredores. Sua maior preocupação é o seu deslocamento: “Nossa, quando chove o transporte [público] fica totalmente caótico, o trânsito fica sempre intenso, confuso, péssimo”.

[Imagem: Theo Schwan/Central Periférica]
A moradora também acredita que o local onde vive não é adaptado aos climas extremos, como as ondas de calor que ocorreram em março deste ano, contando ter sofrido muito desconforto. Isso se deve, muitas vezes, à ausência de corredores de ventilação na configuração urbana da região.Em entrevista, a arquiteta e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, Pérola Brocaneli, afirma que existem maneiras de ventilar as casas, como a ventilação cruzada – soluções simples que podem ser usadas em qualquer tipo de edificação. “O que eu percebo é que tudo isso demanda projeto, mão de obra especializada, empreendimento e manutenção. Em uma situação de favela, a gente precisaria de uma reestruturação de todas as casas e uma arquitetura com esse objetivo, e infelizmente nós não temos informações suficientes para sociedade, porque a informação não chega às pessoas como deveria chegar”.
ventilação cruzada: técnica utilizada na arquitetura quando as aberturas de uma construção se localizam em paredes opostas ou adjacentes, ocasionando a circulação de ar dentro do respectivo espaço.
Cidadania em crise
A população que reside em comunidades periféricas sofre com falta de acesso a serviços básicos, como saneamento e segurança, o que a torna mais exposta a riscos. Com o crescimento de eventos climáticos extremos, essa realidade se apresenta como um desafio cada vez maior para os arquitetos.
“As favelas ou comunidades urbanas se situam grande parte das vezes em áreas de risco”, Pérola ratificou. Para a professora, o principal problema que os arquitetos e urbanistas enfrentam é a segurança: “Se a cada seis meses, oito ou um ano, a nossa casa fosse retirada inteira de nós, com todos os pertences, a gente não consegue se reerguer.” A arquiteta explica que se a pessoa tem uma condição econômica primária (de 1 a 3 salários mínimos), ela será mais impactada pelas mudanças climáticas. “As chuvas vão proporcionar maiores inundações e escorregamentos, ou maior estiagem e uma menor oferta de água potável para todos, inclusive para eles [pessoas socialmente e economicamente vulneráveis], que muitas vezes não têm um abastecimento regular.”
Quando questionada acerca da percepção sobre as áreas de risco, Ana Paula afirma que a região metropolitana de São Paulo não é preparada para eventos climáticos extremos e se demonstra preocupada com a segurança socioambiental de regiões vizinhas de onde reside, como o Parque Laguna, Jardim Maria Rosa, e a Rodovia Régis Bittencourt. Segundo a pesquisa “Desisgualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do IBGE, negros são os que mais residem em domicílios sem acesso a serviços ou com inadequações. Essa realidade provoca a manutenção de um ciclo de vulnerabilidade socioeconômica e injustiça climática, que não pode ser solucionado com políticas superficiais que não enxergam as peculiaridades e exigências de cada local.

[Imagem: Theo Schwan/Central Periférica]