O futuro das autoescolas no Brasil

Proposta do governo promete reduzir custos e ampliar oportunidades, mas enfrenta resistência de quem teme o fechamento de milhares de autoescolas

Por Carolina Passos e Vanessa Ramos

Foto: Vanessa Ramos/Central Periférica

Discussões sobre o fim da obrigatoriedade de autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) avançam, após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizar, no dia 1º de outubro, o andamento do processo. O próximo passo será uma consulta pública realizada pelo Ministério dos Transportes. Após esse período, o texto será analisado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e poderá ser implementado por meio de resolução, sem necessidade de aprovação legislativa. A expectativa é que as mudanças entrem em vigor ainda em 2025, caso a proposta seja aprovada.

A proposta é baseada em um modelo que já é vigente em outros países, como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Japão, Paraguai e Uruguai. Ela não elimina a necessidade da prova teórica e prática para conseguir a CNH, mas tira a obrigação de aprender por meio da autoescola, podendo recorrer a aulas presenciais, instrutores autônomos credenciados ou cursos digitais.

A iniciativa, no entanto, levantou debates. Enquanto o governo aposta na democratização do processo, instrutores e donos de autoescolas alertam para os riscos de colocar nas ruas motoristas com pouca ou nenhuma formação prática, além do impacto econômico que o setor pode sofrer.

Forma de democratização

O processo para obter a CNH envolve uma carga mínima de aulas em autoescolas, que preparam o indivíduo para realizar as provas teóricas e práticas. Além disso, é necessário realizar exames médicos e psicotécnicos. Em 2025, o preço para tirar a habilitação varia até 3 mil reais, dependendo do estado, considerando os custos com as aulas, além das taxas do Detran e o gasto com os exames.

O projeto do Ministério dos Transportes visa à diminuição de, pelo menos, 80% dos custos para obter a habilitação, possibilitando ampliar o acesso para maior parte da população.

Em entrevista ao Central Periférica, Priscila Correia expressa a vontade de tirar a CNH, porém o valor e disponibilidade de horário para as aulas a impede. Essa visão reflete em 32% dos brasileiros que também não possuem habilitação por conta do alto custo, segundo pesquisa publicada, no dia 14 de agosto de 2025, pelo Instituto Nexus.

Além disso, a pesquisa indicou que 66% dos entrevistados defendem que o valor não é justo, considerando o serviço que lhes é oferecido. “O fim da obrigatoriedade é bom porque tem muita autoescola que cobra valores absurdos e a cada aula é um instrutor diferente para ensinar, o que mexe um pouco com a cabeça do aluno”, defende Priscila.

Riscos apontados pelo setor

A flexibilização pode reduzir custos e facilitar o acesso à CNH para jovens e pessoas de baixa renda, permitindo que mais brasileiros realizem o sonho de dirigir. Entretanto, profissionais do setor alertam que a medida pode comprometer a formação adequada de novos motoristas e aumentar riscos nas ruas, além da preocupação de como o setor se manterá financeiramente.

Segundo a Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto), a implementação dessa medida pode acarretar em 300 mil demissões e no fechamento de mais de 15 mil autoescolas. “O fim da obrigatoriedade já está provocando queda de movimento nas autoescolas. Até outubro, terei que demitir 10% da minha equipe. Estamos órfãos, sem alternativa para reagir a essa mudança. No meu caso, são 32 famílias que dependem diretamente do meu trabalho”, expressa Fábio de Marmo Silva, dono de uma autoescola no centro de São Paulo há 34 anos.

Ele enfatiza a preocupação com a mudança ao destacar que a medida vai permitir que o candidato aprenda com qualquer pessoa, mesmo sem preparo ou veículo adequado. “Isso inviabiliza a continuidade das autoescolas. Vai fechar”, lamenta.

O ministro de Transportes do Brasil, Renan Filho, defende que o projeto não vai acabar com as autoescolas. De acordo com ele, mesmo com o fim da obrigatoriedade das aulas, as autoescolas que mantiverem um bom padrão de qualidade ainda terão lugar no mercado. Além disso, após pressões do setor, ainda serão necessárias cinco aulas práticas antes da prova para tirar a CNH.

Já o deputado federal Coronel Meira (PE) critica a proposta que prevê o fim da obrigatoriedade das autoescolas, afirmando que ela está sendo conduzida com interesses eleitoreiros e sem diálogo adequado com representantes do setor.

A Feneauto propõe a criação de uma modalidade de carteira social, que ofereceria curso teórico gratuito para pessoas inscritas no CadÚnico e diminuiria o número de aulas práticas de 20 para 10, em tentativa de reduzir os prejuízos ao setor.