Nas linhas de frente do estádio e nas lutas do fundo de campo

A torcida organizada frente às reivindicações dos torcedores

[Imagem: Vito Santos/Central Periférica]

Não se sabe precisamente quando o futebol moderno chegou ao Brasil. Todavia, o que ninguém tem dúvida é que ele transformou para sempre a vida do povo brasileiro. Ao atrair multidões de fanáticos, desde sua origem e consolidação popular no país,  acabou se transformando em um grande e lucrativo espetáculo.

Com o papel de fiscalizar o time e cobrar dos clubes demandas que são próprias do povo que acompanha a modalidade, no final dos anos sessenta um grupo de torcedores do Sport Club Corinthians Paulista decidiu se agrupar e montar a primeira torcida organizada do país, dando início a uma nova forma de acompanhar o futebol dentro e fora dos campos.

A Gaviões da Fiel foi criada em 1º de Julho de 1969 para fortalecer o contato entre clube esportivo e povo. Como dito por um torcedor de Itapeva, que veio à Arena Neoquímica só para acompanhar a partida entre Corinthians e Fluminense em 28 de abril: “A torcida organizada é o motor do time”. Cabe à organização manter viva a história dos clubes esportivos através das bandeiras, faixas e dos cantos, todos falando dos grandes feitos do time, ou de grandes nomes que passaram por ele. 

Organizar-se é tornar-se reivindicação

Mais do que estar presente nos jogos apoiando o time e exigindo melhorias quando necessário, as organizadas se engajam em protestos e manifestações para a defesa do povo que acompanha a prática desportiva.

O esporte que se consagrou através da forte adesão dos operários no início do século XX dá, para as organizadas, passos largos rumo ao distanciamento do trabalhador para com os espaços de torcida. O coletivo busca lembrar que essa prática é o lazer do povo propriamente. 

Um alto preço de ingresso, por exemplo, condena o torcedor a ir cada vez menos ao estádio. Descaso com a estrutura e a manutenção preventiva do espaço prejudicam a experiência daqueles que frequentam o lugar. “É ridículo isso [o valor do ingresso], o valor está um pouco abaixo da média brasileira, mas ainda sim está muito caro”, comenta Guilherme, torcedor do Corinthians há trinta e dois anos. 

Dedicando a vida ao time, literalmente

Um recente exemplo das manifestações demandadas por esses grupos que concebem resultados na prática foi a reunião da nova diretoria da Gaviões da Fiel com o presidente do Corinthians. Em entrevista para o Central Periférica, o chamado “Pirata da Gaviões”, filiado ao clube e à organizada há 54 anos, explica que o encontro foi marcado para que discutissem, entre outros tópicos que envolvem o time, a sua gerência e a torcida, o fato de que  “os jogadores [do Corinthians] ainda não entenderam o que é o Corinthians”.

Esse apontamento representa a insatisfação dos fanáticos em relação à atuação dos atletas em campo e, sobretudo, em relação à falta de engajamento destes diante o trabalho de comunidades como Camisa 12, Pavilhão 9 e a própria Gaviões da Fiel. Não só para o Pirata, mas para os demais amantes do time de futebol, “eles [os jogadores] precisam tomar vergonha na cara, porque eles ganham milhões por mês e não arcam com o que precisam fazer aqui no estádio, que é jogar bola, é ganhar. Corinthians é isso, é raça”.

Estampado no peito: o Pirata da Gaviões exibe com orgulho as suas várias tatuagens dedicadas ao time do coração [Imagem: Vito Santos/Central Periférica]

Diversas realidades unem-se em um só propósito

Além de tudo isso, as organizadas conquistam cada vez mais torcedores de diferentes cantos do país. Tomando a Camisa 12 como exemplo, ela realizou um grande desfile em frente às grades do portão B da Neoquímica Arena no domingo de Corinthians x Fluminense.

Ao som do hino de seus colegas Gaviões “É festa na favela, alegria do povão / Chegou o grande dia, vai para cima Coringão”, os presentes indicavam, com sorrisos nos rostos, de qual lugar do Brasil eles vêm por meio de faixas e camisetas. Baixadas do estado do Rio de Janeiro e cidades no interior de São Paulo foram mencionadas, e o que todas elas têm em comum são cidadãos apaixonados pelo esporte e pela competição.

Muitas pessoas transformam os seus sentimentos pelo time em horas de viagem para assistí-lo em campo [Imagem: Vito Santos/Central Periférica]

Conquistar voz também é atrair repressão que quer calá-la

A visão dos torcedores nas ações da polícia em cima das organizadas não pode ser considerada homogênea, já que para alguns a penalidade severa é resultado da agressividade gerada pela própria torcida. Márcio, torcedor de estádio há 35 anos e ex-participante de uma das torcidas organizadas do Corinthians, argumenta que, apesar da importância das organizadas, os conflitos severos durante os jogos e fora do estádio perduram por falta de punição. “Eu acho que a polícia, na verdade, tem que ser endurecida para que os bons torcedores continuem podendo frequentar os jogos.”

Já para Lucas, de Pirituba, o controle que a polícia exerce nas arenas ultrapassa o limite do aceitável, se tornando cada vez menos prudentes e cada vez mais violentas. [A repressão policial] é demais. Eles não pensam se é criança, se é mulher. Só saem batendo, jogando spray de pimenta. Você paga pra ser oprimido.”

Rigorosa revista policial no portão O, dedicado à entrada das torcidas organizadas dentro do estádio. Nos outros portões, a revista não é feita da mesma maneira. [Imagem: Vito Santos/Central Periférica]

Gilson, torcedor do Sport Club Corinthians Paulista há 57 anos, lamenta as curvas que o clube tomou, afirmando que o esporte vem sofrendo um processo de elitização e, por consequência, a organizada vem sendo cada vez mais reprimida. “Falar em justiça dentro do Brasil é uma coisa muito complicada, até porque a justiça tem um peso maior contra o pobre, são as minorias. Eu que sou negro, as mulheres, a pessoa que é pobre, periférica. Eu não vejo tanta justiça não, infelizmente”.

A torcida organizada tem peso na reivindicação dos direitos do torcedor, e ao ser coibida pela polícia, os torcedores têm sua liberdade podada.  “Ela é quem representa o torcedor”, finaliza Gilson.