Isenção do IR até R$ 5 mil: um passo histórico na luta por justiça tributária e dignidade social
Projeto aprovado na Câmara promete aliviar o bolso de milhões de trabalhadores e reacender o debate sobre quem realmente sustenta o país
Por João Gabriel e Maria Gomes
O aperto no bolso é uma realidade que atravessa o cotidiano da classe trabalhadora brasileira. Entre o aumento do arroz, da conta de luz e do aluguel, a faixa de isenção do Imposto de Renda ficou praticamente congelada por quase uma década. Nesse período, enquanto o custo de vida disparava, o Estado manteve sua arrecadação sobre o salário, deixando quase intocados os lucros empresariais e as grandes fortunas. Agora, com a aprovação da isenção para quem ganha até R$5 mil por mês, a Câmara dos Deputados deu um passo importante em direção à justiça tributária.
A proposta, enviada pelo governo federal em março de 2025 e aprovada em outubro, corresponde ao PL 1.087/2025. Ela eleva o limite de isenção e cria um desconto progressivo para quem ganha entre R$5 mil e R$7.350. Até então, o teto de isenção era de R$2.428,80, valor praticamente estagnado desde 2015. A mudança deve beneficiar mais de 26 milhões de trabalhadores, segundo o governo.
O bolso como território de disputa
A tabela do Imposto de Renda é um retrato da desigualdade estrutural no país, enquanto os mais ricos concentram seus ganhos em lucros e dividendos (rendimentos obtidos por meio da posse de empresas, e que continuam em grande parte isentos) , os trabalhadores assalariados têm o imposto descontado direto na folha, em outras palavras, quem produz riqueza paga mais do que quem a acumula.
O economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Sérgio Gobetti, disse em entrevista ao Estadão: “A proposta ameniza a falta de progressividade, mas não resolve isso do ponto de vista estrutural, nem enfrenta as várias dimensões em que nosso modelo tributário falha em tratar os contribuintes de forma mais equitativa e neutra”, explicando que o projeto apesar de importante, não trará total equivalência entre as classes. “No caso das empresas, por exemplo, há inúmeros regimes especiais e brechas na legislação que fazem com que a tributação efetiva do lucro varie de 4% a até 34%, com uma média em torno de 16%. E, muitas vezes, a baixa tributação desse lucro está favorecendo pessoas de alto poder aquisitivo, e não o pequeno empresário empreendedor”, acrescenta o economista.
Além disso, o projeto amplia o limite de deduções (ou seja, aumenta o valor fixo que o cidadão pode abater do cálculo do imposto sem precisar comprovar gastos, tornando mais vantajoso para quem tem menos despesas para deduzir) e estende a isenção também ao 13º salário, que antes era tributado separadamente. São avanços concretos, mas que não alteram de forma estrutural a lógica de um sistema que continua a priorizar o capital.
Entre o direito e o acesso
Mesmo com a ampliação da isenção, milhões de brasileiros seguem fora do alcance da medida, a informalidade que atinge cerca de 40% da população economicamente ativa, segundo o IBGE continua sendo uma forma de exclusão silenciosa. Trabalhadores autônomos, ambulantes, entregadores e prestadores de serviço sem vínculo formal dificilmente se beneficiam de políticas fiscais voltadas apenas a quem está registrado.
Os efeitos da informalidade vão muito além da questão tributária, a ausência de carteira assinada impede o acesso a direitos trabalhistas básicos, como aposentadoria, seguro-desemprego, FGTS e licença remunerada. Esses trabalhadores também enfrentam dificuldades para comprovar renda, o que os exclui de políticas públicas e programas de crédito subsidiado, além de dificultar o acesso à moradia, financiamento estudantil e outras formas de proteção social, a isenção do IR, embora represente um avanço na justiça tributária, não alcança esse vasto contingente que vive entre a sobrevivência e a cidadania negada
Estudo da Agência Câmara mostra que o Brasil está entre os países onde os mais pobres pagam proporcionalmente mais impostos, sobretudo por meio de tributos indiretos (aqueles já embutidos em produtos básicos, como alimentos, gás e transporte). A Oxfam Brasil reforça que os 10% mais pobres destinam cerca de 32% da renda aos impostos, enquanto os 10% mais ricos pagam apenas 10%. Essa desigualdade tributária não é apenas técnica: é parte do próprio mecanismo de concentração de renda que estrutura o capitalismo brasileiro.
Cidadania Fiscal: Um Passo para a Inclusão econômica e social
O Ministério da Fazenda definiu o projeto como “um ato de justiça social e correção histórica”. A medida tem efeitos imediatos: mais renda disponível, menor desconto no contracheque e maior fôlego financeiro para famílias de baixa e média renda. Mas seu impacto vai além dos números, ao recolocar o trabalhador no centro da política econômica, a nova faixa de isenção reabre o debate sobre quem realmente sustenta o Estado e sobre como o sistema tributário pode ou não contribuir para a redução das desigualdades.
O processo político também revelou o peso das negociações em torno da matéria, o texto foi votado em regime de urgência, após acordos entre diferentes bancadas, e recebeu no Senado uma versão relatada por Renan Calheiros, que incluiu medidas complementares como portabilidade de salário, crédito com juros reduzidos e transparência bancária. O debate mostrou que, no Brasil, até o direito do cidadão de respirar economicamente precisa ser negociado com o capital financeiro.
Mais que uma lei, um símbolo
A isenção do IR até R$5 mil é uma vitória parcial, mas significativa. Representa um respiro para quem vive do trabalho e uma brecha no muro de privilégios que há décadas protege as camadas mais ricas. Contudo, ela não rompe completamente com a estrutura desigual: o sistema tributário brasileiro ainda se apoia sobre o consumo e sobre a renda do trabalho, preservando a concentração de riqueza.
A previsão é que a lei aprovada na Câmara seja votada pelo Senado até a primeira metade de Novembro, se sancionada sem alterações a medida pode se tornar um marco histórico, inaugurando um novo ciclo de políticas voltadas à redistribuição de renda e ao fortalecimento da economia popular, a luta por um sistema mais justo não termina com essa isenção, mas começa com ela. Porque toda conquista econômica é, antes de tudo, uma disputa política sobre quem produz, quem lucra e quem paga a conta.
