Internet levanta discussão: o trabalho 6×1 é uma barreira à cidadania?

 

A escala de trabalho 6×1 levanta discussões online sobre a saúde e cidadania dos trabalhadores e já chegou na Câmara dos Deputados

 

Por Ana Santos, Guilherme Bianchi, Isabela Nahas e Maria Luiza Ribeiro

 

[Imagem:Tony Winston/Agência Brasília]

 

A deputada federal Erika Hilton (PSOL – SP) apresentou, em maio deste ano, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em defesa do fim da escala 6×1 (trabalhar seis dias por semana para descansar apenas um). A ideia surgiu em parceria com o Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que luta pela redução da jornada de trabalho e o alcance de uma vida digna aos trabalhadores. Outras alternativas estão sendo avaliadas em prol deste objetivo.

 

As discussões sobre esse modelo de emprego ganharam maior repercussão na internet no ano passado, quando o ex-balconista de farmácia Rick Azevedo postou um desabafo sobre o tema no TikTok e viralizou. Assim, ele criou o movimento VAT e uma petição de revisão do regime 6×1 que já tem mais de 1 milhão de assinaturas.

 

A conciliação entre vida pessoal e profissional fundamenta as discussões recentes sobre a redução das horas trabalhadas sem prejuízo do salário. Quem enfrenta uma jornada 6×1 tem dificuldades em priorizar o cuidado com a saúde, os estudos e o contato com a família e amigos devido ao tempo despendido no trabalho.

 

O dia a dia na escala 6×1

 

Em abril deste ano, o DataSenado divulgou uma pesquisa de opinião realizada com 4330 cidadãos sobre a carga horária, produtividade, e qualidade de vida dos trabalhadores brasileiros. A pesquisa revelou que 47% dos entrevistados trabalham mais de 5 dias por semana e, em outro recorte, que 36% deles trabalham 10 ou mais horas por dia.

 

Maria Eduarda Medeiros, 18 anos, por exemplo, é moradora do Pimentas, bairro periférico de Guarulhos, e começou a trabalhar desde os 14 anos de idade por necessidades financeiras. Em entrevista ao Central Periférica, a jovem contou sobre sua experiência com a escala 6×1 em uma franquia de fast-food: “quando iniciei, comecei trabalhando 6 horas diárias. Após uns meses, tive um aumento no salário e minha carga subiu para 8 horas. Mas, no fim, sempre passava do meu horário. Já cheguei a fazer 12 horas de trabalho em um único dia”. A jovem ainda falou que precisava trabalhar todos os finais de semana pela falta de funcionários.

 

Além disso, Maria Eduarda ressalta o desvio de funções e as complicações na saúde dos funcionários: “Não tinha uma função determinada, todos passavam por todas as seções: chapa, cozinha, quiosque e caixa. Grande parte dos funcionários eram menores de idade e não recebíamos insalubridade pela câmara de congelamento e a chapa. No final do ano, sempre alguém chorava pela sobrecarga e a má educação dos clientes, e nada era feito pela empresa”.

 

Desdobramentos do trabalho excessivo na saúde 

 

A jornada de trabalho, somada a outras implicações, como o tempo de deslocamento, impacta a qualidade de vida dos trabalhadores. Jamile Muniz, médica especializada pela USP em medicina do trabalho, ressalta os déficits de sono, atividade física e alimentação adequada nas rotinas apresentadas. Aline Teixeira, psicóloga com experiência em RH, frisa também a ausência de lazer e interação social.

 

O quadro se torna ainda mais grave quando o ambiente de trabalho é inapropriado, com má gestão de processos e metas inalcançáveis, pontua Muniz. Neste contexto, além do cansaço, o trabalhador passa a sofrer com pressão e desesperança, o que, segundo Aline, afeta sua autoestima e produtividade.

 

Em níveis finais, o trabalhador inserido neste cenário pode evoluir para um burnout, situação de exaustão física e mental que chega a causar depressão, salienta Aline. A psicóloga chama atenção também para a condição preocupante das mulheres, que, historicamente, desempenham função tripla: trabalho formal, cuidados com a casa e com os familiares.

 

Segundo pesquisa da International Stress Management Association no Brasil, 32% dos brasileiros sofrem de síndrome de burnout, que é o esgotamento mental causado pelo trabalho. [Imagem: Reprodução/Freepik]

 

Outra questão apontada pelos profissionais de saúde tem recorte socioeconômico. Segundo seus relatos, muitos trabalhadores adoecidos são resistentes a licenças médicas, uma vez que isso pode implicar em demissão, ou ainda na falta de recursos básicos, caso o benefício do INSS demore ou seja negado.

 

A população que depende do salário fica sem alternativas e se submete a condições como as que as profissionais colocaram. Para além do burnout e a falta de interação social com familiares, a carga excessiva impacta outros direitos do cidadão, como  o acesso ao lazer e à educação. Devido a tamanha relevância, o tema, que ganhou repercussão a partir do meio online, agora está sendo debatido no Congresso Nacional.