Filme produzido pela periferia relembra momento da pandemia da Covid-19
Curta-metragem Abscesso , aclamado em festivais, mostra a importância do cinema periférico
Por Bárbara de Araújo, Gabriella Oliveira, Isabella Megara, Marimel Feitosa, Livia Bortoletto, Pedro Silva e Rachel Mendes

Abscesso é um recorte poético do cotidiano periférico. A curta expõe a revolta popular contra o cenário político da época, em especial a recusa à compra de vacinas pelo então presidente Jair Messias Bolsonaro que gerou o aumento da mortalidade do vírus da Covid-19.
A aclamação nacional e internacional do curta-metragem estimula o debate sobre o cinema periférico. Lançado em 2021 e dirigido por Bianca Iatallese, o filme Abscesso retrata a história de João, um jovem gari da comunidade de Heliópolis (SP), que, em meio à pandemia de Covid-19, relata sua realidade em forma de um slam de poesia.
Nos anos seguintes ao lançamento, o curta-metragem recebeu grande visibilidade por meio da participação em festivais e em mostras de cinema, como o Festival do Rio e a MOSTRA XIV: Festival de Cinema Brasileiro.
Segundo Antônio Valdevino, protagonista de Abscesso , a curta surgiu da revolta popular contra o modo como o governo federal da época tratou a pandemia. Valdevino destacou a importância do cinema periférico para representar e “reafirmar o lugar de fala” de pessoas que residem em comunidades.
Ele também defendeu a periferia como um “espaço de potência” por ser um lugar de criação, circulação e consumo de obras audiovisuais. Por fim, o ator afirmou que, por meio da atuação e da escrita, busca diferentes modos de abordar a realidade periférica numa tentativa de fuga de estereótipos.

O cinema periférico no Brasil
Segundo o artigo publicado por Gustavo Souza, doutor em Ciências Sociais pela USP, a produção cinematográfica periférica teve início no final dos anos 1990 e começo dos anos 2000. Contudo, o desenvolvimento construído desse nicho de cinema só ocorreu de fato ao longo da década de 2000, quando a periferia brasileira experimentou “o boom de sua produção, em decorrência do aumento progressivo de entidades e núcleos independentes dedicados para a realização de filmes e vídeos”.
Em oposição ao retrato da periferia no cinema hegemônico, os filmes modificados pelos assuntos periféricos abordam majoritariamente histórias de vida, as quais são permeadas pelas subjetividades, identidades e diversidades dos territórios periféricos. Tais representações são enquadradas nas mais diversas formas cinematográficas, como ficções, documentários, longas-metragens e curtas.
Apesar de não ser valorizado, o cinema periférico possui um poder transformador em nossa sociedade, dado que, ao representar a pluralidade das comunidades e das vozes de seus moradores, ajuda a romper estigmas contra as periferias, como a identificação automática dessas regiões com a violência, a pobreza e a criminalidade. Além disso, ao sucatear esse nicho do cinema, a sociedade brasileira banaliza as desigualdades sem acesso à produção e à visibilidade cinematográfica e ignora os talentos presentes na periferia.