Ex-porte do povo: a elitização dos estádios de futebol
Do preço do ingresso, à dificuldade de transporte: quais os fatores que levam à transição do perfil do torcedor nos estádios de futebol
14/06/2024
Aline Noronha, Lucca Bessa e Mariana Ricci
[Imagem: Vito Santos/Central Periférica]
Nos últimos anos, com a modernização dos estádios e a inflação dos valores relacionados ao esporte – desde as cifras para contratações de atletas aos preços dos ingressos – a arquibancada sofreu uma forte elitização. Torcedores antes acostumados a acompanhar seu time frequentemente no estádio, hoje são excluídos das arenas reservadas, cada vez mais, aos membros dos chamados programas de sócio-torcedor.
Conhecido por ser o esporte mais popular do mundo, congregando a paixão de milhões de pessoas das mais diversas nacionalidades, etnias, gêneros e classes sociais, o futebol deixou, por consequência deste processo, de ser um evento cujo protagonista é o torcedor advindo das classes trabalhadoras. Especialmente no Brasil – país na qual a popularidade do esporte o legou o apelido de “a pátria de chuteiras” – tal “gentrificação” das arquibancadas é sentida com enorme impacto social.
A equipe do Central Periférica esteve no jogo entre Corinthians e Fluminense no dia 28 de abril, válido pelo Campeonato Brasileiro de 2024, e entrevistou uma série de torcedores para entender os efeitos desse fenômeno. Desde os problemas para chegar à Neo Química Arena ao papel das torcidas organizadas neste processo, ouvimos depoimentos que ajudam a traçar o atual perfil dos estádios de futebol no Brasil.
Aumento dos preços dos ingressos
A quarta rodada do Brasileirão ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de abril e contou com confrontos das maiores torcidas paulistas. O clássico entre Palmeiras e São Paulo, por exemplo, reuniu aproximadamente 55 mil pessoas no Morumbi. Apesar de este ter sido o recorde de público desta temporada para o time tricolor, os ingressos vendidos variaram entre 50 e 200 reais para o público geral. Já o Corinthians goleou o Fluminense na Neo Química Arena com a presença de mais de 41 mil torcedores. O ingresso mais barato do jogo para o público geral custava 50 reais e o mais caro 240.
Mesmo com estádios lotados, as últimas semanas foram marcadas por reclamações e protestos de torcedores ante ao aumento de preço dos ingressos. A Gaviões da Fiel, uma das principais torcidas organizadas do Corinthians, acendeu sinalizadores no jogo contra o Red Bull Bragantino devido ao alto preço cobrado a visitantes no estádio do rival. O protesto ocorreu depois do Corinthians ter o menor público da temporada em Itaquera no jogo contra o Nacional-PAR pela sul-americana, em que os ingressos ultrapassaram os 500 reais. Uma nota publicada nas redes sociais da torcida dizia: “Mais uma vez lembrando vocês que não aceitamos os preços abusivos dos ingressos”.
Os custos aumentam quando considerado o consumo dentro do estádio. Água, bebidas alcoólicas, lanches e outros itens agregam ao valor inicial dos ingressos e dificultam que famílias frequentem o estádio.
Não é justo de jeito nenhum. É ridículo um valor de ingresso desse. Abaixa um pouco no [campeonato] brasileiro, mas ainda é muito caro. No meu caso, eu ainda venho sozinho, mas eu penso que quem precisa trazer família, filhos, e tal… não tem condição. Não é ‘povão’ mais
Guilherme, torcedor corinthiano

Torcedores tentando assistir o jogo Corinthians x Fluminense da parte de fora da Neo Química Arena. [Imagem: Vito Santos/Central Periférica]
A maioria dos clubes paulistas têm um sistema de assinatura em que o torcedor paga um valor mensal para adquirir descontos nos preços dos ingressos para os jogos. Tradicionalmente conhecido como sócio-torcedor, esse passe não é acessível a todos, mas ainda assim é amplamente aderido.
O Corinthians, por exemplo, tem planos que variam de 25 a 300 reais. Já o Palmeiras, tem programas de 18 a 780 reais. Essa política é uma maneira de promover a inclusão de pessoas apaixonadas por futebol que não conseguem pagar altos valores para irem aos estádios. Ao mesmo tempo, garante ainda mais privilégios àqueles que conseguem pagar planos mais caros.
Acho o preço justo, sim. Acho que não tá caro, não. Hoje, você vai para um cinema, por exemplo, e não gasta menos de 100 reais
Rafael, sócio-torcedor e membro de torcida organizada do Corinthians
Dificuldade no transporte
De acordo com a pesquisa realizada pelo Central Periférica no jogo do Corinthians e Fluminense, 50% dos entrevistados relataram que vão semanalmente ao estádio da Neo Química Arena. Apesar da frequência elevada, os torcedores encontram desafios de locomoção, independentemente do transporte escolhido.
sócios-torcedores é o grupo que aparece com maior frequência.
[Fonte: Central Periférica]
Para quem busca ir ao estádio através de transportes como carros e motos, o problema não está apenas no trânsito da cidade paulista. O valor do estacionamento da casa corinthiana sofreu um aumento de 8,52%, variando de 99 a 129 reais em 2022, para 110 a 140 reais por jogo ano passado.
Um aumento ainda maior foi destinado ao fiel torcedor que, apesar de possuir acesso a mais locais de parqueamento, teve um aumento de até 22,47% nas zonas E2 e E3 do setor Norte do estádio, além de 10,14% nas E4 e E5, dos setores Leste e Oeste respectivamente.
A linha três vermelha do metrô que, além de ter a estação Corinthians-Itaquera possui o terminal Palmeiras Barra-Funda, exemplifica a tamanha sobrecarga que os transportes públicos apresentam em dias de jogos, especialmente quando há obras em andamento nas estações. “A gente é humilde, pega trem e ônibus para vir aqui, o Corinthians tinha que ser mais sensato para valorizar cada torcedor que vem aqui”, aponta Roberto, torcedor corinthiano.
A instalação de portas de plataforma na estação Artur Alvim no dia 28 de abril afetou a circulação de trens devido à redução de sua velocidade e ao maior tempo de parada entre as estações. Pessoas com destino ou não ao estádio da Neo Química Arena, tornaram os vagões tão cheios que ficam pressionadas umas às outras durante todo o percurso.
A demora na viagem fez com que um grupo expressivo de torcedores conseguisse assistir o seu time apenas perto do final do primeiro tempo, o que além do estresse causado, interfere no seu momento de lazer.
Torcedores do Corinthians esperando para entrar no estádio após o jogo ter começado [Imagem: Vito Santos/Central Periférica]
Ainda vale a pena ir aos estádios?
“Não é daora, não. Fica pesado. Fora que é a cerveja, é o metrô, é a água, é o ingresso da namorada. Assim, é caro” pontua Thiago, torcedor corinthiano. As despesas para assistir um jogo de futebol no estádio promovem a exclusão de pessoas das periferias.
Dentre os torcedores entrevistados, a média do preço pago para estar no jogo do Corinthians foi de 88 reais; 61% deles disseram não acreditar que esse valor valha a pena. Muitos disseram estar incomodados e reclamaram à reportagem que, apesar do aumento no preço do ingresso, não há qualquer retorno na qualidade da experiência no estádio, ou mesmo do próprio jogo de futebol.
Os que disseram valer a pena, consideraram a qualidade do estádio – padrão FIFA – e o processo de aumento no fluxo financeiro pelo qual o futebol vem passando nos últimos anos. Entre todas as respostas, só houve uma unanimidade: a de que a alcunha de time do povo deve ser respeitada.
Eu acredito que o progresso sempre vai existir. Sempre vai acontecer de elitizar. Mas, para isso existe a torcida: para lembrar a diretoria que [o Corinthians] é o time do povo
Cainan, torcedor corinthiano