Esporte auto-organizado promove a união de mulheres em periferias
Especialista reforça a necessidade de existir políticas específicas de direito à prática esportiva para este grupo
Por Thaís Santana da Costa
Mariane Pisani, mestra em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e doutora pela Universidade de São Paulo (USP), é uma estudiosa das questões de gênero no cenário do esporte. Para sua pesquisa do doutorado, acompanhou uma equipe de futebol feminino no bairro de Guaianases, zona leste de São Paulo, onde analisou as relações femininas e a socialização.
Em 2020, publicou o livro As mulheres no universo do futebol brasileiro, com outras duas autoras. Atualmente é coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Estudos do Futebol Brasileiro (INCT Futebol).
A antropóloga concedeu uma entrevista ao Portal Central Periférica para informar um pouco mais sobre as vivências femininas com o esporte na periferia. Confira abaixo as respostas dadas pela especialista.
CENTRAL PERIFÉRICA: Qual o principal contato que as mulheres da periferia possuem com o esporte e qual o maior empecilho para esse contato?
MARIANE PISANI: As mulheres das periferias possuem contato com práticas esportivas e de lazer a partir dos equipamentos oferecidos pelo poder público, como praças, parques e quadras públicas onde podem se encontrar para praticar alguma modalidade. Elas também possuem contato a partir de projetos voltados aos esportes, esses projetos podem ser públicos ou privados.
Os maiores empecilhos para esses contatos com as práticas esportivas são: a falta de oportunidades e espaços adequados para práticas esportivas; a sobrecarga de trabalho (jornadas duplas ou triplas, conciliando profissão e trabalho doméstico); preconceitos de toda ordem a depender da modalidade que a mulher busque fazer, como por exemplo o futebol.
CENTRAL PERIFÉRICA: A periferia possui, de modo geral, um acesso limitado aos espaços esportivos. Como esse limite se amplia referente às mulheres periféricas?
MARIANE PISANI: As periferias, em linhas gerais, são espaços de muitas ausências de investimentos de toda ordem. O poder público nem sempre tem como prioridade os espaços de lazer e esportes. Nesse sentido, para além de investimentos adequados por parte do poder público, soma-se às questões de gênero. A ausência de políticas públicas específicas para mulheres se envolverem mais com as práticas esportivas impactam no acesso dessas mulheres. É preciso lembrar que acesso ao lazer e às práticas esportivas é direito à cidadania e dignidade.
CENTRAL PERIFÉRICA: Como os ambientes esportivos podem tornar-se mais seguros e acolhedores para as mulheres?
MARIANE PISANI: Os espaços esportivos, sobretudo aqueles que são auto-organizados , podem se tornar espaços de acolhimento e solidariedade entre seus participantes. Na minha pesquisa de doutorado, com uma equipe de futebol feminino do bairro de Guaianases, o futebol, para além de uma mera prática esportiva, era um espaço de socialização, sororidade, acolhimento e afetos. Nesse sentido, desempenha importante espaço de exercício da cidadania.
CENTRAL PERIFÉRICA: De que forma, o gosto por um esporte promove a sororidade (união e solidariedade entre mulheres) nas periferias?
MARIANE PISANI: Como dito anteriormente, esses espaços esportivos e de lazer podem se tornar lugares para exercício da cidadania, amizade, sororidade, acolhimento e afetos. São lugares propícios para as mulheres estabelecerem profundas conexões entre si.
CENTRAL PERIFÉRICA: Qual a importância que as instituições têm na garantia do direito ao esporte para as mulheres da periferia?
MARIANE PISANI: O poder público deve estar empenhado e preparado para investir em espaços destinados ao lazer e ao esporte. Esses são direitos básicos que devem ser assegurados a todos e todas, para que as pessoas possam assegurar livremente o exercício da cidadania. No que diz respeito às mulheres, esses direitos devem ser observados com ainda mais atenção e cuidado, sobretudo porque envolve questões de gênero e impedimentos históricos em relação à presença das mulheres no ambiente esportivo.