Empreendedorismo periférico cresce com apoio digital
Internet amplia oportunidades para moradores da periferia; hoje, comunidades brasileiras movimentam R$ 167 bilhões por ano e contam com 50% da população dona de seu próprio negócio
Por Bárbara Aguiar

O empreendedorismo nas periferias brasileiras vive um momento de expansão impulsionado pela conectividade digital, mas quem vive nas comunidades não vê isso como novidade — e quem anda pelas comunidades já percebeu que as ideias estão borbulhando nas quebradas do país. Segundo a Tracking das Favelas 2025, pesquisa realizada pelo Novo Outdoor Social (NÓS), as mais de 6 mil favelas brasileiras abrigam 17 milhões de habitantes que movimentam cerca de R$ 167 bilhões por ano. Dentro desse ecossistema, de acordo com a Data Favela, metade da população afirma ter o próprio negócio.
Fatores como a falta de oportunidade no mercado formal e o desejo de autonomia são frequentemente relacionados ao aglomerado de empreendimentos nas comunidades do país, mas a ascensão do meio digital também desempenha um papel importante para tantas pessoas darem o primeiro passo na construção de um negócio do zero.
Com o aumento da conectividade e a popularização dos smartphones — acessíveis a mais de 87,6% da população segundo levantamento realizado pelo IBGE em 2023 —, empreender deixou de ser um plano distante para se tornar realidade nas comunidades. O acesso à internet tem oferecido caminhos para os moradores buscarem formação, divulgarem seus serviços e venderem seus produtos — tudo isso em poucos cliques, com um aparelho que está ao alcance da mão.
Quem faz o empreendedorismo na periferia
Essa conexão entre tecnologia e território faz com que histórias de sucesso surjam e amadureçam nas periferias. Mônica Rocha, por exemplo, viu no digital um meio de se destacar no mercado de vestuário no Jardim São Remo, comunidade da Zona Oeste de São Paulo.

Concorrendo com diversas outras lojas abertas há anos na região, a empreendedora descobriu que o atendimento digital poderia ser um diferencial em seu trabalho e, desde novembro de 2024, une a loja física às vendas online.
Mônica usa as redes sociais para divulgar as mercadorias disponíveis, mas seu diferencial está no atendimento personalizado: quando alguém procura uma peça que não está disponível no estoque, a empreendedora se compromete em buscar opções acessíveis com seus fornecedores — e tudo isso é combinado pela internet com o cliente.
“Se alguém me manda uma inspiração, procuro com o fornecedor e, se achar com preço bom, trago. Já aconteceu de cliente procurar algo e não ter aqui na hora. Eu aviso, procuro e mando a foto. Se ela gostar, já combinamos o valor”, explica o caminho para fidelizar o público.

Capacitação no mundo digital
Mais do que uma forma de se conectar com clientes, o meio digital tem revelado aos moradores da periferia novas oportunidades de especialização e aprendizado. Iniciativas sem fins lucrativos, como o projeto AkiPosso+, são responsáveis por levar às comunidades vulneráveis a chance de participar de cursos e capacitações que dão uma nova perspectiva sobre objetivos e planos de carreira.
Adriana Tito, profissional da comunicação que integra a equipe do projeto, relembra a motivação por trás do trabalho realizado: “Percebemos que, muitas vezes, o maior desafio não era a falta de recursos, mas a dificuldade em acessar informações e oportunidades que pudessem transformar as realidades periféricas. Ouvimos histórias de pessoas que, apesar da força e da vontade de mudar, esbarravam na falta de conexão com quem podia ajudar. Foi aí que surgiu a vontade de criar uma plataforma que atuasse como uma ponte”.

Com mais de 220 mil usuários, hoje o AkiPosso+ é uma plataforma digital que também traz oportunidades de emprego, recursos de saúde, segurança e fortalecimento da autoestima. Para alcançar o público-alvo, a equipe se faz presente no dia a dia das comunidades com rodas de conversa, oficinas e o apoio das lideranças locais.
“Lideranças locais, organizações sociais e coletivos que já atuam nas periferias nos ajudam a apresentar o aplicativo de forma acessível, traduzindo a tecnologia para a realidade do território”, detalha a profissional.
Atualmente, as ações presenciais do AkiPosso+ se concentram principalmente em territórios de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas o braço digital já se estendeu para diversos outros estados brasileiros — e a expansão não é por acaso: Adriana conta que, desde o início, a tecnologia foi pensada como um pilar essencial para que o AkiPosso+ pudesse romper barreiras físicas e levar informação, serviços e oportunidades a pessoas que muitas vezes estão invisíveis para o poder público ou fora dos circuitos tradicionais de assistência.
Além de inserir e capacitar pessoas para o mercado empreendedor, a plataforma também conecta quem já deu o start com grupos capazes de amplificar o negócio em andamento: “Conectamos os pequenos empreendedores com redes de apoio, eventos comunitários e feiras locais. Sempre com o cuidado de indicar caminhos seguros e viáveis”, destaca Adriana.
Quando o poder público entra cena
Com o grande potencial das comunidades brasileiras evidenciado a cada ano, alguns governos começam a enxergar os benefícios de investir no desenvolvimento e políticas públicas específicas para esses territórios.
Um exemplo recente é o HUB Favela Empreendedora, lançado no início de 2025 pela Prefeitura do Rio de Janeiro, sob a coordenação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico.
O programa, que promove a capacitação e formalização de empreendedores das favelas por meio de mentorias, orientação para abertura de empresas e cursos sobre educação financeira, marketing digital, liderança e contabilidade, responde aos dados da Data Favela que mostram que 50% dos moradores de favelas já atuam como empreendedores e 21% têm interesse em abrir seus próprios negócios — sendo que 70% deles desejam empreender dentro da própria comunidade.
Enquanto as políticas públicas dão seus primeiros passos na valorização do empreendedor periférico, negócios de pequeno, médio e grande porte continuam a nascer nas comunidades brasileiras e ganham destaque no mundo todo com eventos como a Expo Favela Innovation.

Esse ano, a feira de negócios formada por empreendedores das favelas tem sua edição programada para novembro e promete visitar diversas cidades do Brasil com pautas relevantes relacionadas ao desenvolvimento econômico periférico. Confira o calendário no site.