Do protesto à “disciplina”: o Ensino Cívico-Militar nas escolas paulistas

 

Em meio a suspensão da Lei Estadual n° 1.398, o Ensino Cívico-Militar gera discussões nas instituições de ensino. Em todo o estado, 302 escolas demonstraram interesse em participar do programa

 

Por Frederico Gomes, Luiza Santos, Maria Clara Ramos e Nicoly Modesto

 

E.E. Prudente de Moraes, localizada próxima ao Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de São Paulo. [Foto: Nicoly Modesto/Central Periférica]

 

O desembargador Luiz Antonio Figueiredo Gonçalves suspendeu, no dia 7 de agosto, o programa da implementação do Ensino Cívico-Militar nas escolas, até que o STF (Supremo Tribunal Federal) analise a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7662, requerida pelo PSOL. Pela ADI, o Supremo julgará a lei e como ela se encaixa na Constituição Federal. Professores e estudantes alegam que, se posto em prática, o projeto gradativamente substituirá os profissionais da educação por militares.

 

De acordo com a professora Adriadene Cavalcante, o projeto seria uma “involução da escola pública”. Ela ainda afirma: “Verba pública sendo usada para pagar a militares para fazer o papel de docentes, categoria precarizada, esquecida na lista de valorização subjetiva, pela sociedade, e principalmente quando se refere a valorização objetiva, quando se trata de salário.” Adriadene é docente da E.E. Bartholomeu de Carlos, localizada no bairro dos Pimentas em Guarulhos,  uma das instituições interessadas em implementar o projeto.

 

Na publicação realizada nas redes sociais da escola, diversos pais e alunos protestaram contra e a favor da implementação. [Imagem: Reprodução/Instagram]

 

[Imagem: Reprodução/Instagram]

 

A adesão seria feita voluntariamente pelas escolas, desde que a devida consulta pública e conscientização da comunidade escolar acontecesse. A aprovação de alunos e responsáveis era um dos principais critérios para seleção das instituições. “É uma iniciativa democrática e dá opções às famílias, visando a melhoria do ensino”, disse a auxiliar pedagógica Cristiane Marcosini.

 

Apesar da primeira etapa de adesão não prever uma consulta com a equipe pedagógica, Marco Valadares, professor da E.E. Prudente de Moraes, escola localizada no centro de São Paulo, aponta a necessidade de um diálogo maior entre a instituição e o corpo docente. “Seria fundamental que houvesse, anteriormente, um debate informal para decidirmos em conjunto a adesão ou não ao modelo em questão. Algo que não aconteceu”.

 

A institucionalização de uma ilusão

 

Diferente dos colégios militares, a escola cívico-militar não é subordinada ao Exército Brasileiro. Nesse caso, o programa (que pode ser implementado em unidades escolares estaduais e municipais) será elaborado por meio de uma colaboração entre duas secretarias estaduais: a de Segurança Pública e a de Educação.

 

No entanto, a introdução do ensino cívico-militar implica em mudanças estruturais na instituição escolar. Segundo o Secretário Executivo da Educação, com a premissa de “melhorar o aprendizado e o ambiente escolar e reduzir a violência”, o programa irá instituir a presença de policiais militares da reserva nas escolas, que irão atuar como monitores e desenvolver atividades extracurriculares. A indicação dos militares da reserva será feita pela Secretaria de Segurança Pública (SSP).

 

Segundo a estudante Danielle Cristiny Nunes, policiais já intervieram na escola onde estuda, a E.E. Licínio Carpinelli, também situada na periferia da cidade de Guarulhos. “Quando teve briga na minha escola, os policiais foram  na porta e começaram a ‘tacar’ spray de pimenta nos meninos para se afastarem”. Para a aluna, “a presença dos policiais ajudaria na disciplina, mas também causaria muita revolta”.

 

“A falta de memória histórica é, na minha opinião,

o fator mais determinante para o fortalecimento dessa ilusão”

 

Adriadene Cavalcante, professora da E.E. Bartholomeu de Carlos

 

Até o fechamento desta matéria, o STF ainda não decidiu sobre a Ação Direta de Inconstitucionalidade.