Desafios da inclusão no ensino público
Mesmo com novo decreto no município de São Paulo, a educação inclusiva ainda perpassa por inúmeros obstáculos. Em 2023, apenas 391 escolas municipais, de 4.125 no total, ofereciam Salas de Recursos Especializados e outros recursos básicos.
25/04/2024
Clara Viterbo Nery e Lorenzo Souza

Escolas enfrentam falta de acessibilidade em São Paulo [Imagem: Clara Viterbo Nery/Central Periférica]
Em 11 de dezembro de 2023, o município de São Paulo estabeleceu um novo decreto – a Política Municipal para a Pessoa com Deficiência. Dentre outros decretos e leis já antes vigentes, esse teve como objetivo ampliar direitos dos portadores de alguma deficiência a partir das Secretarias Municipais da Pessoa com Deficiência, Assistência e Desenvolvimento Social, Educação e Saúde. A presença dessas novas iniciativas são positivas para a garantia à inclusão e acessibilidade, mas também relevam os problemas encontrados na rede municipal, como, por exemplo, o fato de apenas 9,4% do total de escolas municipais possuírem salas especializadas para os alunos da educação inclusiva, segundo dados do Censo Escolar 2023, do MEC.
A primeira vez em que a legislação brasileira incluiu o atendimento educacional para pessoas com deficiência em suas diretrizes foi em 1961, através da Lei n° 4.024 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Desde então, diversas atualizações foram realizadas nas bases educacionais do país, a fim de integrar e adaptar os estudantes com necessidades especiais, como, por exemplo, a criação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, em 2015.
Com o decreto do dia 11 de dezembro de 2023, o município de São Paulo além de regulamentar a lei federal de 2015, em seu Capítulo VI, institui as diretrizes para adaptação e acessibilidade em toda rede municipal de educação, incluindo garantias ao estudo inclusivo, permanência e inclusão, como um compromisso da Prefeitura de oferecer à cidades os espaços adaptados e inclusivos que são de direito dos cidadãos – mas que nem sempre são cumpridos.
A realidade da educação inclusiva
Como previsto pelo artigo 58 da lei federal n° 9.394/96, os estudantes de educação especial têm o direito de receberem atendimento individual no contraturno da grade curricular para acompanhar o desenvolvimento escolar através do Atendimento Educacional Especializado (AEE), uma das principais formas de inclusão na educação promovida pela Secretaria de Educação da cidade de São Paulo. Atividades como ensino através do braille e da Língua Brasileira de Sinais (Libras) só são possíveis através da consolidação dos AEEs na rede pública.
No entanto, o acesso a esse atendimento não é tão simples. Para realização desses atendimentos é necessário a implementação de Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs), com acompanhamentos adaptados e especializados para os alunos e que, atualmente, possuem número limitado de unidades.
Segundo dados fornecidos pelo IBGE, através do Censo, dentre as 4.125 escolas municipais de São Paulo, 1470 dessas atendem alunos da educação especial e apenas 26,6% delas (9,4% do total de escolas) possuem SRMs, o que dificulta a evolução do projeto na rede municipal. Além disso, são necessários profissionais capacitados, como pedagogos e psicopedagogos, e equipamentos especializados, que, na maioria das vezes, não corroboram com a real infraestrutura e orçamento das escolas.
Além dos números
De acordo com a professora Isis Maria Ramos, docente da escola municipal EMEFM Maestro Marcelino Pietrobom do município de Paulínia, São Paulo, as atividades realizadas nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRMs) são essenciais para potencializar e empoderar o aluno com seus direitos e deveres.
“Nas salas de aula especializadas, organizamos os alunos em grupos menores, às vezes 2, 3, 4, 5, até 8 alunos com necessidades diferentes para fazer um atendimento mais integrado com eles, com atividades de comunicação alternativa.”
Contudo, embora haja professores e estruturas acessíveis em sua instituição, o que diverge da realidade da maioria das escolas de São Paulo, a pouca quantidade de docentes e grande burocracia para conseguir recursos tecnológicos prejudica o desempenho do projeto.
“Aqui na escola temos a demanda de mais de 60 alunos com algum tipo de deficiência, englobando os turnos da manhã, tarde e noite para fazer esse atendimento especializado. […] Nós conseguimos muitos dos recursos mas, por exemplo, com uma TV quebrada, eu não posso fazer todas as atividades com os meus alunos, e isso demanda tempo para conseguir […] existe uma grande burocracia.”
Para além da sala de aula
É importante ressaltar que, para os professores, é difícil conciliar tantos alunos com necessidades diferentes de uma só vez e com abordagens distintas para cada um, mas isso não é razão para culpabilizar os docentes pela abordagem. A maioria desses não tem a especialização e formação adequada para lidar com o atendimento, e, até então, não é obrigatório pelo MEC que os professores tenham essa qualificação – o que deve ser revisto com o intuito de melhorar a qualidade do ensino e a experiência de aula para alunos e professores.
Para além das salas de aula, a falta de infraestrutura, como banheiros adaptados e rampas de acesso, é outro empecilho para a inclusão dentro do espaço escolar. De acordo com o Governo Estadual de São Paulo, todas as escolas têm verba para incluir rampas, banheiros, corrimãos e outras infraestruturas previstas pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência LBI, mas essa também não é a verdadeira realidade das escolas.
A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência da cidade de São Paulo concede, pela Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA), desde 2018, o Selo de Acessibilidade Arquitetônica, com o intuito de indicar que a edificação é adequada ao uso por pessoas com deficiência. Porém, desde então, apenas 190 escolas paulistanas, dentre mais de 4 mil, são contempladas nesta lista – o que foge do que foi afirmado pelo Governo Estadual e evidencia as verdadeiras carências da educação pública.
O futuro da educação inclusiva no Brasil
Antes das leis de inclusão, era comum que os alunos que possuíam alguma deficiência fossem excluídos do espaço escolar ou nem mesmo recebessem uma educação formal. Eles eram invisibilizados pela sociedade, e quando tinham acesso a uma escola, os espaços não eram planejados, tampouco se preocupavam em atender as demandas dessas pessoas. “Era como se o aluno tivesse que se adaptar a escola, e não a escola se adaptar ao aluno”, diz a professora Isis Maria Ramos.
O grande desafio da educação inclusiva atualmente é o fornecimento de ferramentas adequadas para as escolas e a capacitação dos professores de acordo com as novas exigências educacionais – que ainda não são regulamentadas pelo Ministério da Educação. Por isso, é importante que as pessoas que vivenciam ou observam algum problema de acessibilidade e inclusão notifiquem os órgãos cabíveis ou, até mesmo, que judicialize esses casos para que as circunstâncias possam, de fato, serem resolvidas.
É o que diz a deputada estadual de São Paulo Andrea Werner: “O Estado só vai resolver na medida em que ficar tão caro gastar com advogado para se defender que eles vão ter que providenciar o que está na lei. Por isso, eu sempre incentivo as pessoas a, na medida do possível, judicializar esses casos, porque é pedagógico. Às vezes, só a judicialização que vai mudar a situação”.
Nesse sentido, espera-se que o futuro seja mais acessível e adaptado, mas isso só será possível com a participação e engajamento de todos na exigência de que os direitos básicos sejam cumpridos.“A gente orienta sempre sobre a questão legal […] e na dificuldade de acesso à justiça, a gente vai informando as pessoas, pedindo mais engajamento […] A gente tem certeza que a pessoa que está mais empoderada e sabe dos seus direitos causa mais barulho”, complementa a deputada.