Cursos técnicos impulsionam novas trajetórias entre jovens da periferia
Com oportunidades limitadas e alto desemprego juvenil, jovens da periferia encontram nos cursos técnicos uma chance de qualificação e entrada no mercado de trabalho
Por Giovanna Martini e Victória Guedes
Com a clara dificuldade de estudantes da periferia em acessar o ensino superior, uma alternativa de ensino cresce cada vez mais: os cursos técnicos e/ou profissionalizantes. Os cursos técnicos integrados ao ensino médio, por exemplo, são uma alternativa para que desde cedo os jovens tenham segurança para garantir um futuro profissional no mercado de trabalho e um ensino de qualidade para ingressar em universidades públicas. Outro modelo de curso profissionalizante é o subsequente, onde alunos que já se formaram no ensino médio têm a oportunidade de adquirirem conhecimento profissional da área escolhida.
Os cursos técnicos são muitas vezes mais baratos e têm menor custo do que uma faculdade, além de oferecerem uma mobilidade social para os alunos, atuando como porta de entrada imediata no mercado de trabalho. Segundo a Pesquisa de Acompanhamento de Egressos 2022-2024, a taxa de formados em cursos técnicos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) que estão empregados é de 85,6%, a maior taxa desde a primeira edição do levantamento, que aconteceu em 2002. O problema é que nem todos têm a oportunidade e acesso a esses cursos.
SENAI: Da sala de aula ao contrato de aprendizagem
O Senai, uma das instituições mais conhecidas no oferecimento de cursos técnicos, têm um grande diferencial: a ligação imediata com o mercado de trabalho. Isso porque, desde o começo do curso, a maioria dos estudantes de curso técnico do Senai têm contrato direto de aprendizagem com as empresas.
O Senai “Suzana Dias” localizado na cidade de Santana de Parnaíba em São Paulo, oferece três modalidades de curso técnico: o concomitante, destinado a estudantes que ainda estão cursando o ensino médio — geralmente em parceria com o Serviço Social da Indústria (SESI) —, e o subsequente, voltado para alunos já formados no ensino médio e maiores de 18 anos, frequentemente realizado em colaboração com grandes empresas. Há ainda uma terceira opção, que integra os dois públicos: alunos que já concluíram o ensino médio e aqueles que estão matriculados a partir do 2º ano, que os cursos são abertos para toda a comunidade e têm como meio de ingresso uma prova. Esse ano foram ofertados os cursos de Administração e Eletromecânica.
Em entrevista ao Central Periférica, Patrícia Paz, professora do curso de Administração da instituição, contou que no SENAI-SP a ponte entre os alunos e o mercado de trabalho é prioridade. “Temos parcerias com empresas, programas de aprendizagem e estágio, visitas técnicas e eventos de integração com o setor produtivo. Os cursos são construídos com base nas demandas reais do mercado, e isso garante que os alunos saiam com as competências mais valorizadas. A formação é muito prática, então o aluno já aprende ‘fazendo’ e está pronto para atuar.”
Outro diferencial das instituições do Senai em São Paulo, é a oferta de cursos gratuitos à população, mas em outros estados a realidade é diferente. Em Pernambuco, por exemplo, o valor total dos cursos técnicos pode ultrapassar os R$10 mil reais. Porém, mesmo quando o curso é gratuito, alunos periféricos podem enfrentar outras dificuldades: “O acesso vai além da matrícula: envolve transporte, alimentação e tempo disponível. A estrutura social muitas vezes impede que o jovem consiga se manter nos estudos. Então, ainda temos um caminho longo para garantir que todos tenham a mesma chance de acessar e concluir um curso técnico de qualidade”, declarou Patrícia.
Apesar dos desafios, com um curso técnico no currículo, o aluno têm a oportunidade de ingressar no mercado de trabalho imediatamente ou, se preferir, dar continuidade aos estudos no ensino superior. Um dos grandes benefícios dos cursos profissionalizantes é permitir que o estudante descubra, na prática, a profissão que deseja seguir. Caso opte por cursar uma faculdade, a formação técnica pode abrir portas para um emprego que lhe proporcione condições de se manter durante a graduação, já que profissionais com formação técnica podem ter salários iniciais significativamente maiores em comparação à outros empregos sem a mesma qualificação. “O interessante é que o curso técnico abre caminhos: para quem precisa trabalhar logo, é uma chance concreta; para quem deseja continuar estudando, é uma base sólida. Aliás, tenho ex-alunos que hoje estão na faculdade ou até já se formaram, e me contam como o técnico foi essencial para organizarem a vida, se encontrarem profissionalmente e até bancar seus estudos”, afirmou Patrícia.
Ensinar sem estrutura: o outro lado dos cursos técnicos
Além das dificuldades de acesso e permanência, para a professora, outro ponto deve ser considerado quando se discute os cursos técnicos: “Outro fator que deve ser observado é a qualidade da instituição e isso envolve a experiência, competência e salário do professor ou instrutor que ministra os cursos técnicos”. Enquanto nas instituições privadas o custo elevado muitas vezes representa um grande obstáculo para os alunos, nas escolas públicas ou tradicionais — que nem sempre são especializadas em ensino técnico — os desafios são outros: falta de materiais, laboratórios desatualizados e professores sobrecarregados.
É comum que docentes sem formação técnica específica sejam designados para ensinar disciplinas fora de sua área de conhecimento, devido à escassez de profissionais habilitados. Além disso, a sobrecarga de trabalho imposta aos professores e a carência de profissionais com formação técnica específica agravam ainda mais a situação. Muitas vezes, docentes com formação em áreas distintas são obrigados a lecionar disciplinas técnicas para as quais não foram preparados, devido à falta de profissionais habilitados. Esse problema é consequência de fatores como baixos salários, contratos temporários, falta de incentivo à capacitação continuada e jornadas exaustivas, que tornam a carreira pouco atrativa.
Essa realidade compromete diretamente a qualidade do ensino oferecido. É importante compreender que, embora muitos alunos concluam os cursos e recebam um diploma, isso não garante que tenham adquirido, de fato, uma formação técnica sólida e alinhada com as exigências do mercado de trabalho, por isso, muitas vezes há uma discrepância entre o diploma obtido e a preparação real para o exercício profissional.
O técnico como porta para a universidade
Além da possibilidade de integração no mercado de trabalho, cursos técnicos integrados ao ensino médio são boas alternativas para quem sonha em entrar em universidades públicas. Os Institutos Federais, por exemplo, que oferecem cursos técnicos em diversas cidades do país, são referência no ensino de qualidade e possuem ótimos números de discentes ingressando em universidades públicas após a conclusão do ensino médio.
Ainda que surja o receio de não aprender matérias importantes do ciclo básico em decorrência da adição de matérias relacionadas ao técnico, grande parte dessas instituições possuem o suporte necessário para ajudar no ingresso do ensino superior. O Instituto Federal de São Paulo (IFSP) oferece o Programa Institucional de Cursinhos do IFSP, onde jovens e adultos recebem o apoio e ensino necessário para conquistarem a tão sonhada vaga nas universidades.
Em entrevista ao Central Periférica, Alessandro Rezende, ex-aluno do curso de Alimentos do Instituto Federal de São Paulo – Campus São Roque, comenta sobre a decisão de ingressar em um curso técnico integrado ao ensino médio, ressaltando a qualidade do ensino oferecido pelo IFSP. O egresso ainda fala sobre o preparo que a instituição oferece para a entrada dos alunos no ambiente profissional. Por fim destaca que o curso técnico o impulsionou no sonho de ingressar em uma universidade.
“Diversas coisas que aprendemos no ensino técnico contribuíram para estabelecer uma base sobre como é o mercado de trabalho”
– Alessandro Rezende
As Escolas Técnicas Estaduais (Etecs) são outro exemplo de instituições públicas que oferecem cursos técnicos gratuitos para alunos do ensino médio e que apresentam números expressivos de ex-alunos aprovados em vestibulares. Segundo levantamento do Centro Paula Souza (CPS), cerca de 4.300 vagas de universidades foram destinadas a alunos de diversas Etecs. Além da chance de ingresso em faculdades, esses cursos preparam os alunos para a rotina do ensino superior, oferecendo desde cedo a possibilidade de bolsas para realização de Iniciação Científica e outros projetos extracurriculares.
“O curso técnico é uma ferramenta poderosa de combate à desigualdade. Ele insere o jovem da periferia no mercado formal, com uma profissão e chances reais de crescimento. Isso rompe ciclos de exclusão, aumenta a renda das famílias e transforma a realidade local. Mais do que isso, ele dá autonomia ao jovem, amplia seu repertório e fortalece sua voz”
– Patrícia Paz
Os Institutos Federais de São Paulo estão com inscrições abertas para o processo seletivo de ingresso em cursos técnicos integrados ao ensino médio até dia 6 de novembro. São ofertadas mais de 4 mil vagas em diversas cidades do estado e o concurso possui taxa de inscrição de R$60,00. A prova possui 30 questões, divididas entre português e matemática referentes ao ensino fundamental II. Para mais informações sobre o processo seletivo acesse o site do Instituto Federal de São Paulo. Além dos cursos integrados ao ensino médio, o IFSP conta com cursos superiores, com modalidade de ingresso com a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) pelo SISU (Sistema de Seleção Unificada).
As inscrições para o vestibulinho 2025 da Etec estão abertas até dia 3 de novembro. A prova ocorre no dia 30 de novembro e aborda temas relacionados ao conteúdo de matemática, português, ciências humanas e da natureza. O teste conta com 30 perguntas que devem ser realizadas em até 4 horas. Para mais informações sobre a prova, acesse o site do Vestibulinho da ETEC. São mais de 224 unidades de Etecs distribuídas pelo estado de São Paulo.
O SENAI-SP também está em período preparatório para o processo seletivo para ingresso nos cursos técnicos. As inscrições aos cursos destinados à comunidade serão abertas no dia 23 de outubro, às 14 horas, e se encerram dia 10 de novembro, às 21 horas. O processo seletivo ocorre semestralmente e conta com uma prova de 60 perguntas de múltipla escolha, sendo divididas igualmente entre 3 áreas do conhecimento: português, matemática e ciências da natureza. A prova será aplicada entre os dias 24 de novembro e 6 de dezembro de forma digital nas unidades do SENAI. Para mais informações, acesse o site do SENAI-SP.
