Com Enel, apagões são mais frequentes em São Paulo
Governo Federal ameaça retirar a concessão da Enel, que vem sofrendo críticas após os apagões recorrentes em São Paulo
26/04/2024
Catarina Bacci, Kauan Siqueira e Maria Eduarda Lameza

Lucro da Enel aumenta; apagões também [Imagem: Kauan Siqueira/Central Periférica]
A discussão acerca do serviço fornecido pela Enel voltou à tona após o apagão da semana do dia 18 de março, que deixou bairros do centro da cidade de São Paulo sem energia. O último, que havia ocorrido em novembro de 2023, deixou cerca de 2,1 milhões de pessoas sem energia por pelo menos uma semana, atingindo, principalmente, as periferias.
Dessa forma, no dia 1° de abril, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, abriu um processo disciplinar na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) contra a Enel São Paulo, pois a companhia ainda não pagou as multas recebidas pelas interrupções frequentes na distribuição, que já acumulam quase 300 milhões de reais. O ministro deu um mês para a empresa responder à investigação, sob pena de perder a concessão.
A distribuição de energia em São Paulo e região é de responsabilidade da iniciativa privada desde 1998, quando a antiga estatal Eletropaulo foi desmembrada e privatizada. A Enel, multinacional italiana, entrou em cena em 2018 quando comprou as ações em um leilão. Desde então, as críticas ao serviço só aumentaram.
CPI da Enel
Ainda em 2023, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo realizou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as irregularidades. A Comissão fez uma pesquisa popular e descobriu que 95% dos participantes já apresentaram problemas com a Enel e, desses, 91% encontram-se insatisfeitos com o serviço prestado em seu bairro. Além disso, ao analisar as reclamações ao Procon, a CPI encontrou diversas denúncias de interrupção na distribuição, aparelhos queimados e cobranças indevidas.

Segundo Procon, Enel lidera em reclamações no quadro geral [Fonte: Relatório final da CPI da ENEL]
Um dos entrevistados durante a Comissão foi Marcos Roberto Lopomo, diretor da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (ARSESP), entidade que fiscaliza, dentre outras prestadoras de serviço, a Enel. Marcos afirmou que a área de atuação da Enel é dividida em 143 conjuntos elétricos e que a ARSESP possui apenas 24 fiscais para todas essas regiões, número insuficiente.
Contudo, o que chamou mais a atenção dos parlamentares foi o fato de que, dentro desses 143 conjuntos, a meta de padrões de qualidade para 2023 estabelecida pela Aneel é que a concessionária deva atender apenas 66% deles. Assim, cabe o questionamento: como fica a qualidade do atendimento nos outros 34%? Essa resposta os moradores da periferia já sabem de cor.
Realidade dos moradores periféricos
Em entrevista ao Central Periférica, Luciana Alencar Queiroz, moradora do bairro Chácara Santana, localizado na Zona Sul da capital, afirma que, em novembro de 2023, ficou uma semana sem eletricidade após uma árvore derrubar um poste na rua. Ela conta que a Enel havia dado um prazo de três dias, mas o problema só foi resolvido no oitavo.
“Como ficamos muito tempo sem energia, muitos dos meus vizinhos tiveram que jogar as comidas que estavam na geladeira fora porque estragaram. A Enel nem sequer se preocupou em ressarcir os danos causados. Aqui onde eu moro tem muitos idosos que moram sozinhos. É um completo descaso deixá-los desamparados desse modo.”
Ao ser perguntada sobre a recorrência e a duração desses apagões, Luciana responde: “Quando a gestão era da Eletropaulo, mesmo em época de fortes chuvas, ventania atípica e outros imprevistos, nunca fiquei tanto tempo sem energia e sem um respaldo, como aconteceu com a Enel. Infelizmente piorou muito.”
Crise financeira na Itália e elétrica no Brasil
A Enel é uma empresa privada internacional de economia mista, portanto, é aberta ao mercado, mas seu acionista majoritário é o Estado italiano. Dessa forma, a maioria de seus dividendos – lucros que são repassados aos sócios – vai para a Itália, incluindo o que é produzido no Brasil.
A Itália vive uma crise econômica e apresenta uma profunda dívida pública. Para conter a situação, o ministro da economia italiano, o ultradireitista Giancarlo Giorgetti, busca cortar gastos e repatriar fundos. Como consequência, encontramos o sucateamento do serviço no Brasil.
Segundo o Relatório de Administração da Enel Brasil, divulgado todos os anos pela empresa, enquanto o quadro de funcionários foi reduzido em 36% desde 2019, a receita da filial de São Paulo apresentou um crescimento exponencial, gerando mais lucro para os cofres italianos.

Enel paga dividendos maiores aos acionistas [Fonte: Enel SP]
Privatização da Sabesp: o que nos espera
A situação atual de privatização e sucateamento de serviços públicos essenciais à vida – como o caso da Enel – gera preocupações com a iminente concessão da Sabesp, estatal responsável pelo fornecimento de água, coleta e tratamento de esgotos de 375 municípios do Estado de São Paulo. Em contato com o Central Periférica, o Deputado Estadual Guilherme Cortez (PSOL), reforçou como a prioridade de empresas privadas é a obtenção de lucro, e não o interesse público, e que áreas periféricas ou de baixa renda tendem a ser os mais negligenciados. “Dentre as 375 cidades atendidas pela Sabesp, apenas cerca de 20 são lucrativas, enquanto a maioria depende do financiamento da empresa”.
Além disso, o deputado defende que a privatização vai contra o 2º parágrafo do Art. 216 da Constituição Estadual, que estabelece que o saneamento básico deve ser gerido por concessionária sob controle acionário do Estado. Segundo Guilherme, “em um contexto global de enfrentamento às mudanças climáticas, deveríamos fortalecer o controle público sobre recursos naturais, não enfraquecê-lo.”