Choque de visões: os desafios para a garantia da saúde pública da população indígena
A falta de conhecimento sobre os povos originários e suas tradições dificulta a implantação de uma atenção específica para essa população no Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de São Paulo
Por Marcella Zwicker, Matheus Andriani e Vito Forini

Nas aldeias, as Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI) são locais que contam com equipes multidisciplinares formadas por profissionais indígenas e não indígenas com foco em saúde, saneamento e bem-estar das comunidades. Uma dessas UBSI’s está localizada na aldeia Kwaray Djekupe, Jaraguá, São Paulo.
Uma das moradoras do local, que prefere não ser identificada, explica que as tradições, os rituais e os conhecimentos transmitidos de forma ancestral, ao longo de gerações, são fundamentais para a manutenção de suas identidades, pertencimento e preservação de sua memória. Para ela, a ciência milenar deve ser considerada no atendimento específico desses territórios. No entanto, esse cenário não encontra ressonância na realidade. De acordo com a entrevistada, há falhas na formação das equipes disponíveis: “Até mesmo os profissionais que atendem as comunidades não recebem formação especializada”, afirma.
Outro desafio enfrentado por moradores de aldeias periféricas é o desmatamento do entorno, ação que impede o acesso a certas plantas e raízes essenciais no tratamento tradicional de algumas doenças.
Além disso, a falta de canais de comunicação oficiais que divulguem a saúde especializada indígena dentro de aldeias gera o efeito de uma procura maior de medicina branca, de acordo com relato da moradora.
Opiniões sobre a integração na saúde
De acordo com a pesquisadora Elizangela Baré, mestranda na Faculdade de Saúde da Universidade de São Paulo (USP), esse panorama é resultado da ocidentalização da saúde. A consequência desse movimento é a formalização acadêmica para a validação de saberes ancestrais e o aumento de burocracias, o que impede que a ciência milenar dos povos originários seja linha central nos cuidados medicinais dos corpos indígenas.
Ainda assim, a integração de uma ciência à outra divide opiniões: a pesquisadora propõe a implementação da ciência indígena no SUS para formação acadêmica dos médicos, de forma a contribuir com tratamentos. No entanto, é comum a preocupação dos aldeados em relação a essa incorporação. “Hoje tudo se fala em dinheiro, o receio é que o nosso conhecimento seja usado de forma que vise o lucro e não a sua eficiência”, relata a entrevistada da aldeia Kwaray Djekupe.