Celulares permanecem nas salas, instituições falham ao aplicar a Lei

Embora a legislação tente afastar os alunos das telas com base em evidências científicas do vício, a implementação esbarra na realidade e na necessidade de repensar o próprio método de ensino

Por Isabela Ferro

Foto: Isabela Ferro/Central Periférica

A Lei nº 15.100/2025, sancionada em 13 de janeiro de 2025, prevê a restrição do uso dos aparelhos celulares dentro das escolas de educação básica durante o horário das aulas. A lei, contudo, passa por dificuldades de aplicação e por uma incoerência com relação às escolas de ensino público, que não conseguem gerir e nem aplicar a proposta governamental. Apesar do Ministério da Educação (MEC) ter divulgado guias de auxílio para as escolas implementarem a lei, ainda é presente um cenário muito aquém do esperado nas salas de aula. 

De acordo com Lorena Antunes, estudante do último ano da Escola Estadual Professor Alberto Conte, ainda que exista a lei da proibição, o problema do celular persiste nas salas de aula, não havendo um método de punição eficiente. Embora haja professores que cumpram com o regulamento, retirando o celular dos alunos, há também uma grande quantidade de professores que não o fazem. E quando o celular é visto, a advertência que deveria ser aplicada não ocorre. 

Segundo Antunes: Isso [a Lei] só funciona em escola particular. Nas públicas tem aula que nem tem professor, as ‘aulas vagas’. Querendo ou não nós não temos controle do nosso vício, e a escola sempre vem tentando inserir o celular como método de aula, como em aplicativos, mas eles não sustentam isso. Os alunos ficam em outros aplicativos, e se o professor não tem esse controle, pra mim, o discurso não serve de nada”

A percepção que se insere, então, é de uma hipocrisia governamental, pois indicam a restrição dos aparelhos celulares no regimento das leis, mas para preencher as próprias lacunas se apoiam na estrutura digital, como as “Salas do Futuro”, que na visão dos alunos é completamente ineficiente. Ao comparar com a antiga escola particular, a aluna aponta algumas questões que impedem a facilidade da aplicação, por exemplo, os tablets fornecidos às escolas, muitas vezes vem sem acesso à internet e os alunos, novamente, são obrigados a recorrer aos celulares.

Para além desse aspecto, a aluna critica a postura das escolas públicas em se ater somente aos problemas das telas, já que há diversos temas mais básicos a serem tratados, como por exemplo a ausência de professores em sala.

O Governo cria muitas plataformas para sustentar a ausência dos professores, mas isso não funciona”

— Lorena Antunes

O propósito da lei

Embora haja uma grande ineficiência na aplicação prática da medida dos celulares nas escolas públicas é importante discutirmos o porquê houve essa restrição nos ambientes escolares: os aparelhos eletrônicos, atualmente, têm sido classificados como um grande problema social, pois geram vício e causam diversas sequelas. Lorena Antunes, por exemplo, relata que seu aproveitamento nas aulas sem o celular é muito maior do que as que ela tem acesso.

Nesse sentido, ao buscar aprofundamento científico nos deparamos com estudos como o publicado pelo Iranian Journal of Public Health, realizado por uma equipe da Xinyang Normal University, que afirma que a dependência do celular prejudica habilidades de autorregulação essenciais para o desenvolvimento acadêmico, como a gestão do tempo. Além disso, a dependência do celular tem um efeito positivo significativo na procrastinação acadêmica. Isso significa que quanto maior a dependência do celular, maior é a procrastinação. 

O estudo sugere, também, que mesmo uma exposição relativamente baixa (um pouco mais de 20 minutos por dia) pode ter efeitos prejudiciais no desempenho cognitivo dos estudantes e afetar a atenção, principalmente, em adolescentes em desenvolvimento. Essa dependência do celular é acompanhada  por altos níveis de ansiedade e outras emoções negativas. A procrastinação, por exemplo, gera ansiedade devido às tarefas não concluídas.

Mas é vício? 

Quando pensamos em vício a imagem de drogas químicas nos vêm à cabeça, como álcool e cigarro, ou até mesmo usuários em situação de rua. Entretanto, o vício engloba uma quantidade impensável de ações e conjuntos associativos no nosso cérebro. O vício em smartphones, por exemplo, leva à ativação excessiva do circuito de recompensa, resultando em uma diminuição na capacidade do córtex pré-frontal, o que significa que é mais difícil controlar nossos impulsos e tomar decisões. 

O vício em smartphones compartilha algumas similaridades com o vício em substâncias: características comportamentais, como o uso compulsivo e busca por recompensa; e mecanismos neurobiológicos, como o envolvimento do circuito de recompensa do cérebro e dos sistemas de neurotransmissores monoaminas — responsável por regular funções cerebrais essenciais, como emoções, cognição, atenção, humor, prazer e motivação (engloba neurotransmissores como a dopamina, a noradrenalina e a serotonina).  

Contudo, esse vício em smartphones é classificado como um tipo de vício não baseado em substâncias, sendo classificado, principalmente, pelo uso de um comportamento para modificar o humor, uma característica importante do vício comportamental. 

As pesquisas publicadas pela Frontiers in Psychiatry, também por um grupo de pesquisadores da Xianyang Normal University, revelam que sempre que o smartphone notifica uma nova mensagem, o cérebro libera dopamina, gerando uma urgência irresistível de verificar imediatamente essa notificação. Desse modo, quando o indivíduo obtém experiências positivas pelo smartphone, o circuito de recompensa é ativado, relembrando que o aparelho é o responsável por essa experiência.

Em termos técnicos, a dopamina, uma das responsáveis pelo sistema de recompensa, é facilmente estimulada pelo uso dos celulares,  algo que chamam de “onda de dopamina” ou “dopamine rush”. No caso dessa dependência, a ativação excessiva do circuito de recompensa resulta em uma diminuição do controle de impulsos e na tomada de decisões. E, ao mesmo tempo, a atividade da amígdala (que é envolvida no processamento emocional) aumenta, tornando os indivíduos mais propensos a emoções fortes quando estão online e a desejos por estímulos, o que dificulta a tentativa de não usar o celular.

O vício em smartphones e o vício em drogas mostram efeitos semelhantes, como desejo forte e uso repetido incontrolável. Contudo, a dependência de smartphone é impulsionada por estímulos digitais e questões psicológico-comportamentais, causando desconforto psicológico na abstinência, como inquietação, mas quase nenhuma dependência física, diferentemente do vício em drogas, que é químico e causa fortes sintomas físicos de abstinência

O grupo de pesquisadores sugere, então, que a separação física do estudante e do celular pode ser útil, por exemplo, pedindo que os depositem em “bolsas para celular” em todas as salas de aula, pois os telefones em si desencadeiam o desejo de verificar novas informações ou mensagens e, ao se afastar do celular, sem a possibilidade de obtê-lo, as chances de reprimir o vício são grandes. Essa sugestão nada mais é do que a própria Lei nº 15.100/2025, tentando afastar o estudante da tela. 

A sugestão também se refere a uma mudança da postura dos professores nos ambientes acadêmicos, pois o aumento da discrepância entre ensino e estudante tem se intensificado. Aulas meramente expositivas tendem a ser interpretadas como ainda mais cansativas visto que há uma rota de fuga fácil, os celulares. Nesse sentido, a criação de aulas cada vez mais práticas e atraentes se torna uma demanda da atualidade.

É evidente que o conteúdo deve permanecer, mas métodos mais eficientes de aprendizado devem ser estudados e postos em prática. Como comentado, também, pela estudante de Ensino Médio:

Aulas didáticas entretém os alunos, quando o professor faz perguntas e leva os alunos à lousa e não se concentra em uma aula só expositiva e que a gente só copia. Não tem como se inspirar num modelo muito antigo, deveria se adequar aos alunos de hoje em dia. Eu acho que as aulas interativas rendem muito a atenção do aluno”.