Burnout na periferia: um pavio em chamas

No corre de cada dia, a população periférica enfrenta um novo desafio para sua saúde mental.

A corrida dos trabalhadores pelo seu sustento [Imagem: Davi Alves/Central Periférica]

O tempo gasto no transporte público contribui para a exaustão gerada pelo trabalho [Imagem: Davi Alves/Central Periférica]

Daiana e a dupla jornada estudantil 

Na loucura da junção do trabalho e dos estudos, uma profissional que explodiu foi a professora Daiana Teixeira. Como relatado por ela: “Eu não dei conta. Eu adoeci e fui trabalhando doente. Eu ia trabalhar e não conseguia abrir a porta do carro. É esse o ponto de exaustão que você chega”. Essa situação, resultado de uma dupla jornada estudantil em que, enquanto ela terminava sua licenciatura, também trabalhava em um colégio, gerando assim uma rotina não saudável. Contudo, vinda do interior, ela encontrava-se em uma situação pessoal complicada que não a permitia abrir mão da chance de emprego: “Eu estava encantada com a oportunidade de mudar de vida e me formar, e de repente eu não tinha energia pra mais nada” .

Conforme o cenário piorava, sintomas surgiam e marcavam o dia-a-dia de Daiana. “Eu não dormia, não comia direito. Já fui trabalhar virada. Depois voltar para casa e trabalhar mais. Não ter final de semana”. Como comenta a professora, o centro de sua vida se tornou o trabalho e sua motivação, o salário, o que contribuiu para o desgaste de seu bem-estar mental e físico: “Eu não conseguia sair de casa. Não ter forças para levantar da cama e sem levantar já entrar em uma crise de choro absurdo e ficar naquela situação de ‘Eu não posso pedir demissão.’”

Após sucessivas crises de ansiedade e ataques de pânico, ela buscou ajuda com profissionais da saúde mental e atualmente, depois de 3 anos de acompanhamento psicológico, tornou seu estilo de vida mais saudável através de práticas que a auxiliam na remissão do Burnout.

A UBS como centro de luta contra o Burnout 

Além dos recursos terapêuticos comuns, novas abordagens conhecidas como Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) têm se tornado famosas e são recomendadas para contribuir com o tratamento e auxiliar na recuperação.

Assim, através de oficinas coletivas e dinâmicas de interações interpessoais, a UBS que atende as comunidades de Jardim Colombo, Paraisópolis e Vila Sônia, por exemplo, apostou na formação de pessoas voltadas para desenvolver projetos nesse sentido.

Como resultado, atualmente a unidade conta com uma horta comunitária acompanhada por profissionais da saúde e voltada para a promoção do bem-estar integral. “A gente atende pacientes assim, com ansiedade, depressão. Também trabalhamos com as crianças com TEA [Transtorno do Espectro Autista], TDAH [Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade], eles gostam de mexer na terra, ajuda bastante no desenvolvimento deles.” relata a farmacêutica Danyele, que organiza a atividade em conjunto com a psicóloga Rosana. No mesmo rumo, elas promovem uma roda de terapia comunitária integrativa, um espaço de diálogo aberto, desabafos e acolhimento. “Essas pessoas falam, é um lugar de chorar, de por pra fora mesmo. Você vai resolver seu problema da vida? Não. Mas pelo menos o da semana ficou ali, naquela roda.” expõe a farmacêutica.

A roda de terapia comunitária é realizada em contato com a natureza, em baixo de uma grande árvore.
[Imagem: Beatriz Hadler/Central Periférica]

Tais iniciativas trazem resultados positivos para o coletivo, mas não são as únicas: a UBS também oferece uma oficina de fotografia e auriculoterapia. As PICS são abertas ao público, a horta para adultos acontece toda segunda-feira das 8h às 9h e para crianças, nas quartas-feiras das 9h às 10h; a terapia comunitária, às terças-feiras às 8h da manhã; a oficina de fotografia toda sexta-feira às 14h e a auriculoterapia é necessário realizar agendamento.

Tanto a interação, quanto os trabalhos manuais auxiliam na descontração do cotidiano corrido.
[Imagem: Beatriz Hadler/Central Periférica]

O tratamento não acessível 

Contudo, os horários escolhidos pelas UBS Brasil afora  ainda são alvos de crítica dos participantes, principalmente nos tratamentos para adultos. “Ele [o SUS] marca um horário ali, 10 horas da manhã, aí não dá pra eu ir.” Quem vive essa realidade é a diarista Graziele, do bairro Alto Boqueirão, região considerada periférica de Curitiba. 

“Você vai resolver seu problema da vida? Não. Mas pelo menos o da semana ficou ali, naquela roda”
[Imagem: Samuel Amaral/Central Periférica]

Com rotina extenuante, trabalhando de segunda à sábado em múltiplos empregos, ela ainda tem de lidar com a dupla jornada. Nessa situação, a diarista sai cedo, enfrenta horas de transporte público, passa seus dias em trabalhos cansativos e retorna somente ao anoitecer, e além de tudo isso, aos domingos ela limpa a casa, lava a roupa e faz comida, não tendo tempo para descansar e ficar com a família. “Elas [as filhas] reclamam pra mim que eu não tenho tempo pra elas. Mas é que nem eu falo: eu falo pra elas que eu preciso trabalhar, a gente paga aluguel, tem prestação de carro, tem conta, tem tudo, não tem como não trabalhar.” expressa Graziele.

Com o pavio queimando, a explosão era iminente. Em um momento de sobrecarga gerada pelo trabalho, dificuldades familiares e em horário de pico, a diarista teve uma crise de ansiedade no terminal de ônibus na volta para o lar. “Parecia que eu ia morrer do coração, me sufocou tudo, tive uma crise muito forte de choro no terminal, na frente de muita gente. A sorte é que ainda existem pessoas boas que ajudam. Daí chegamos na UPA e a médica falou que eu estava tendo uma crise de ansiedade” ela relata.

A longo prazo, o ritmo de vida acelerado das grandes cidades é prejudicial para a saúde dos trabalhadores [Imagem: Davi Alves/Central Periférica]

Na sequência, ela buscou ajuda profissional, mas os horários oferecidos para o tratamento eram incompatíveis com a sua rotina de trabalho. Graziele explica que: “Fui ao médico e até saíram as consultas do meu psicólogo e nem isso eu consegui ir, porque daí não bate os horários pra mim. Se eu não trabalho eu não ganho, porque é trabalho por dia”. Mesmo com a procura, ela continua sem poder fazer o tão necessário tratamento.

Tal difícil situação não se encerra em Graziele, mas é uma realidade comumente enfrentada pelos trabalhadores da periferia.  Pois, em um país marcado pelo sucateamento dos direitos trabalhistas, o aumento da informalidade e a degradação da CLT, aqueles que saem em busca de seu sustento diariamente acabam reféns de uma estrutura laboral desumana, que desrespeita seu direito ao acesso à saúde, a família e ao lazer. Assim, as pessoas que construíram o mundo e ainda o constroem adoecem sem amparo e são deixadas ao relento, com seu pavio em chamas e prestes a explodir.