Atividade física: entre a necessidade e o privilégio
Pesquisa aponta que 76% dos moradores de periferias brasileiras enfrentam dificuldades para praticar esportes
Por Ana Santos, Beatriz La Corte, Guilherme Bianchi e Isabela Nahas
![[Imagem: Flickr/Felipe Barros]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/11/Exercicio-fisico--1024x683.jpg)
Trabalhadores e estudantes da periferia sofrem com a falta de tempo e infraestrutura para praticar atividades físicas. Doenças crônicas e transtornos mentais são ameaças, principalmente para mulheres que vivem dupla jornada de trabalho e não conseguem se exercitar. Academias ao ar livre, parques e quadras esportivas são alternativas públicas para as periferias.
A atividade física como privilégio dos ricos
A população de baixa renda é afetada pela inflexibilidade de horários para cuidar da saúde física e mental. De acordo com dados da PNAD Contínua do terceiro trimestre de 2023, 544.691 brasileiros de 14 a 29 anos declararam ter dois empregos. 27.907 possuíam três ou mais ocupações.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática regular de atividades físicas pelo menos 150 minutos por semana. Segundo a organização, exercitar-se reduz o estresse, sintomas de ansiedade e depressão, e melhora a qualidade do sono e aprendizagem.
Em entrevista ao Central Periférica, Márcia Almeida, fisioterapeuta no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e postos de saúde de Sorocaba, afirma que a falta de atividade física, provocada pelas jornadas extensas de trabalho, agrava, além das questões musculares, doenças crônicas, como diabetes e hipertensão.
Para Márcia, as orientações médicas a respeito da prática de exercícios não atingem a população mais vulnerável: “às vezes, o médico fala assim: ‘ai você tem que fazer hidroterapia’, mas como essa pessoa vai para uma hidroterapia? Como que ela vai para um pilates, por exemplo? Ele limita essa condição, esse tipo de exercício físico que a pessoa tem que ter condição de pagar“.
Rotina limitadora
A dificuldade em realizar ou manter práticas de atividade física na periferia se relaciona a diferentes fatores. A carência de tempo livre, o cansaço da rotina de estudo e trabalho e a ausência de infraestrutura de espaços públicos voltados a exercícios são alguns deles.
Clayton Neira compartilhou, em entrevista, que começou a treinar quando morava em Campinas. “Como residia próximo à empresa, tinha bastante tempo para me cuidar”, comentou. Porém, quando ficou desempregado, sua rotina também mudou, e os exercícios deixaram de estar presentes.
Ele disse que isso afetou tanto sua autoestima como seu estado emocional. Mais tarde, precisou retornar às atividades físicas devido a orientações médicas para lidar com o estresse profissional.
O artigo, produzido por Junior Vagner Pereira da Silva em 2021, analisa a prática de exercícios físicos por usuários de transporte público em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Os dados levantados mostram que o ambiente inseguro, a jornada de trabalho extensa, cansaço, tarefas domésticas e falta de interesse foram algumas das principais barreiras à realização de atividades físicas.
Uma pesquisa feita pela Universidade de São Paulo (USP) em 2017, entrevistou moradores do distrito de Ermelino Matarazzo sobre práticas e projetos de exercícios físicos na região. No texto, o autor menciona que a população de baixa renda se exercita menos e se ocupa mais com tarefas ocupacionais. A pesquisa mostrou que 70% dos adultos não praticavam nenhuma atividade física no tempo livre.
Correndo contra o tempo
Existem algumas iniciativas públicas para tornar a prática de atividade física mais acessível. Alguns exemplos são academias ao ar livre, parques e quadras esportivas. Mas esses espaços não são suficientes.
Segundo a pesquisa “Persofia Favelas”, feita pelo Novo Outdoor Social (Nós), 76% daqueles que moram nas periferias do Brasil enfrentam dificuldades para praticar esportes. Dos que não praticam, a maioria (38%) diz que é por falta de tempo. Além da infraestrutura, conciliar estudo e trabalho com atividade física é também um desafio.
Há propostas de solução feitas pelos próprios moradores. Uma delas é o “Dia Total”, um projeto que oferece atividades físicas gratuitamente no Parque Linear Guaratiba, na zona leste de São Paulo. De segunda a sexta, das 6 horas da manhã até as 7 da noite, Felipe Bezerra e outros profissionais de educação física realizam encontros que reúnem exercícios e dança.
Em entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”, Felipe, criador do projeto, relata que o maior público são mulheres periféricas de 30 a 67 anos. “[Elas] vêm sendo sobrecarregadas durante anos com suas jornadas duplas de trabalho, que cuidam dos filhos, dos netos, da casa e que, no final de todo um dia, não conseguiram cuidar de si”.