A periferia que ocupa os “esportes de elite”
A falta de incentivo financeiro e familiar afasta jovens periféricos de raras oportunidades nos esportes mais dominados pelas elites do país
26/04/2024
Alex Teruel e Aline Fiori

Jogadores na Arena Nobru [Imagem: Gabriel Borges/Reprodução]
O acesso ao esporte na periferia tende a carregar uma rigidez imagética na qual apenas esportes populares como o futebol ou ocasionalmente o basquete despontam no imaginário popular. Ainda que grandes nomes do futebol brasileiro tenham origens em periferias que têm o costume do futebol disseminado em seu meio, diversas comunidades começam a ocupar espaço em diferentes esportes, em especial naqueles socialmente vistos como exclusivos às elites. Esse é o caso de esportes como o automobilismo, o golfe e os E-sports, que nos últimos anos tem visto uma diversificação em sua torcida e atletas.
O acesso aos esportes que nem sempre foram para todos
A acessibilidade desses esportes tradicionalmente pensados para as elites torna o caminho da periferia mais longo. Entre os principais obstáculos, o custo com Wi-Fi e tecnologias (no caso dos E-sports), transporte e treinamento encarecem a prática dos jogos e as tornam acessíveis somente para uma parcela elitizada que detém o poder de compra.
No golfe, o projeto social Japeri Golfe, que abriga o primeiro campo público de golfe do Brasil e mantém uma Escola de Golfe, já mudou a vida de mais de 400 crianças e jovens da Baixada Fluminense. O atleta Breno Domingos, um dos maiores exemplos do sucesso dessa entrada da periferia em um esporte tão recluso às elites, começou aos 10 anos na Escola de Golfe de Japeri e já aos 27 joga junto aos principais profissionais da categoria.
No automobilismo, onde muitos pilotos entram pagando para competir sem um real talento, nomes fortes como os de Wallace Martins, da Brasilândia, e Lucas Veloso, de Itapevi, mostram que existe muito potencial nas comunidades brasileiras. Ambos competem na categoria de monoposto Formula Vee, que tem ingressos gratuitos, ampliando o acesso também às torcidas que se formam nas comunidades desses atletas.
O Free Fire é um dos E-sports que se destaca em uma crescente de interesse na periferia pela sua facilidade e acessibilidade, já que não necessitam de equipamentos complexos além de um celular. Matheus Victor, técnico do time Complexo da Pedreira, que venceu a etapa estadual da Taça das Favelas de Free Fire, diz que não tinha condições para comprar um computador e que o celular foi um meio facilitador para a participação no esporte junto à Garena, empresa que criou o jogo, que disponibilizou um jogo leve diante de todo esse cenário. Matheus conta que o jogador profissional Bruno “Nobru” Goes é uma grande inspiração em seu trabalho, principalmente frente aos seus projetos que visam contribuir para o desenvolvimento de sua antiga comunidade.

Free Fire [Imagem: Garena/Reprodução]
A segregação dos esportes começa dentro de casa
É comum notar que atualmente uma mudança do desejo da infância de se tornar jogador de futebol para o desejo de se tornar um “pro-player” de jogos online. Um estudo conduzido em 2021 pelo Instituto Data Favela, em parceria com a Locomotiva Pesquisa e Estratégia e a Cufa (Central Única das Favelas) revelou que 96% dos jovens moradores de comunidades do Brasil gostariam de ser gamers profissionais. Com o advento da internet, as famigeradas “livestreams” transmissões ao vivo de pessoas jogando e comentando as histórias ou partidas têm se tornado cada vez mais populares, principalmente entre os mais jovens.
Toda essa popularidade e técnica necessária para as vitórias, principalmente em jogos online como Counter Strike, League of Legends, Free Fire e Valorant, trouxeram o horizonte esportivo que conhecemos hoje como E-sports. Os grandes nomes como Gabriel “Fallen” Toledo e Alexandre “Gaules” Borba fortalecem o cenário da modalidade no Brasil e trazem representatividade para aqueles que têm o desejo de jogar e se profissionalizar. Jogador referência no meio, “Nobru”, traz uma atenção especial dos torcedores das periferias por ter sido criado na comunidade de Campo Limpo e se beneficiado do jogo em um momento em que faltava dinheiro para que pudesse pagar a faculdade.

Imagem ilustrada de Bruno Goes na Arena Nobru [Imagem: Gabriel Borges/Reprodução]
Mesmo que seja um E-sport que se apresente mais democrático, pouca visibilidade é dada à modalidade nas favelas. De acordo com o treinador, informações essenciais não são divulgadas, dificultando especialmente na busca de patrocinadores, tornando todo esse processo responsabilidade de um time que não possui recursos. A falta de visibilidade também é um fator que acarreta negativamente na densidade da torcida. “Na periferia, se não chega informação fica difícil de ter uma visão, não tem muita torcida porque não é muito divulgado. Vai ter publicidade do Free Fire quando ele já está elitizado.” afirma Douglas Mendes, que atua no apoio ao técnico, e acrescenta que o conhecimento é compartilhado no “boca a boca”, por exemplo, das crianças na escola, que não fornecem um meio de disseminação de informação que passe credibilidade.
A construção de um imaginário na comunidade que despreza e estereotipa o cenário dos E-sports, onde acredita-se que é uma perda de tempo e que não pode resultar em um futuro real deve-se à falta de propagação da ocupação desse novo público periférico dos esportes digitais na mídia. A falta de conscientização que deriva disso, desmotiva a equipe e, conta o técnico, que esse preconceito e falta de apoio na casa dos jogadores é o que mais dificulta os treinos, para além dos problemas materiais.
O futebol recebe uma imagem de superioridade no cenário esportivo periférico. Em contrapartida aos E-sports, especialmente o Free Fire, na periferia, o futebol ganha divulgação, cobertura e retratação em uma mídia hegemônica que qualifica e traz credibilidade – diante de seus status – para o público. Para além da participação cultural histórica que o futebol já tem nas periferias, o esporte é somente validado pelas grandes mídias. Um exemplo disso, é a cobertura dada à Taça das Favelas de Futebol pela Globo na divisão de futebol e a visibilidade obtida, já que parte dos jogadores que estão nos times podem ser indicados para grandes times brasileiros, enquanto na divisão de Free Fire, pouco se sabe tanto no site da Taça das Favelas de Free Fire quanto em redes sociais e outros meios.