O futuro incerto do transporte público de São Paulo
Com mais privatizações à frente, ainda existem dúvidas sobre seus impactos
Por Amanda Nascimento, Clara Zamboni e Davi Alves
![Governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas [Imagem: Governo do Estado/Reprodução]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/09/materia-privatizacao-tarcisio-de-freitas-300x200.jpg)
A concessão da Linha 7-Rubi para a empresa Consórcio C2, no fim de fevereiro, marca o quinto modal sobre trilhos a ser privatizado pelo estado de São Paulo, juntando-se as Linhas 4-Amarela (pertencente a ViaQuatro), 5-Lilás, 8-Diamante e 9- Esmeralda (comandadas pela ViaMobilidade), administradas pelo Grupo CCR.
Segundo o Governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), o plano é que todas as Linhas da CPTM e do Metrô sejam privatizadas até o fim de seu mandato, em 2026. A política privativa é o modelo defendido por Tarcísio, que, no início de maio, conseguiu a aprovação para a privatização da SABESP.
A privatização é o processo de transferência de empresas estatais à iniciativa privada. Assim, os serviços manejados pela CPTM e pelo Metrô, ou seja, empresas do Governo do estado de São Paulo, são deslocados para corporações privadas (como ViaQuatro e ViaMobilidade) por meio de contratos de concessão — que têm data estipulada de término.
O governo atual justifica essas privatizações como a forma de manter a saúde financeira das estatais, pois alega que a CPTM e o Metrô vêm perdendo dinheiro desde a pandemia do COVID-19.
A concessão das Linhas de trem 10-Turquesa, 11-Coral, 12-Safira e 13-Jade já é planejada por especialistas contratados pelo governo do estado, enquanto a estimativa é de que as Linhas do Metrô 1-Azul, 2-Verde, 3-Vermelha e 15-Prata sejam privatizadas ao longo de 2025.
Segundo Tarcísio, a CPTM e o Metrô não seriam dissolvidos, mas se tornariam “reguladores da questão urbana”.
![Estação USP Leste, na Linha 12-Safira, da CPTM. [Imagem: Pedro Nardi/Acervo Pessoal]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/09/estacao-usp-leste-privatizacao-300x169.jpg)
Impactos aos trabalhadores e aos usuários
Apesar das justificativas oferecidas pelo estado de São Paulo, a privatização é responsável pela redução do número de funcionários e sobrecarga dos trabalhadores remanescentes. Também há aumento no número de falhas, atrasos e acidentes. De acordo com Sérgio Lazzarini, PhD em administração, a dependência da qualidade dos serviços oferecidos no interesse privado é motivo de preocupação.
“Se os operadores privados maximizam o lucro, e se não houver bons parâmetros de interesse público nos contratos, podem reduzir custos em dimensões dos serviços valorizados pela população ou buscar aumentos excessivos de preços. Podem também não cuidar da inclusão, isto é, atender populações mais carentes com dificuldade de pagar por serviços privados.”
Em entrevista ao Central Periférica, pessoas que utilizam o transporte sobre trilho contaram que os problemas do serviço estão nos intervalos demorados entre os trens, a lotação excessiva nos vagões e as falhas contínuas. “Pelo valor que a gente paga, está muito precário. Tem que melhorar o intervalo dos trens, principalmente em horário de pico, porque com um tempo muito grande a gente acaba não conseguindo entrar no trem por conta da superlotação”, conta Eliana, passageira da Linha 9-Esmeralda.
Edína, também utilizadora da linha por mais de 10 anos, diz que a qualidade do serviço não mudou após as privatizações, e que problemas nos trens persistem. A operação das Linhas 8 e 9 foi assumida pela ViaMobilidade em Janeiro de 2022.
De acordo com Alex Fernandes, secretário de comunicação do Sindicato dos Metroviários e Metroviárias de São Paulo, o centro do problema está na forma como o dinheiro público é distribuído.
A distribuição desigual da verba pública
Segundo Alex, quando empresas privadas assumem Linhas de Metrô, são estabelecidas metas diárias de transportes de passageiros, que, caso não alcançadas, são compensadas através da verba pública. A empresa responsável pela Linha 4-Amarela, por exemplo, propõe o transporte de 1 milhão de passageiros por dia. Na prática, 700 mil a 800 mil passageiros transitam diariamente.
![Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo, comandada pela ViaQuatro. [Imagem: Wilfredor/Wikimedia Commons]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/09/linha-4-amarela-privatizacao-300x199.jpg)
Na esfera administrativa, a distribuição do montante da tarifa pública ocorre através de uma câmara de compensação, na qual diversas empresas de transporte – CPTM, SPtrans, EMTU – estatais e privadas recebem quantias desiguais, o que acarreta no sucateamento de empresas públicas.
O Metrô de São Paulo é o que transporta a maior quantidade de pessoas por dia, com destaque para as Linhas 3-Vermelha e 1-Azul do Metrô. Apesar disso, as empresas privadas são privilegiadas na distribuição de verba pública. De acordo com dados de 2023 do grupo CCR, enquanto a Linha 4-Amarela, administrada pela ViaQuatro, recebeu R$ 3,60 por passageiro, linhas estatais, como a 2-Verde e 3-Vermelha, receberam, em média R$ 2,07, de acordo com o veículo Metrópoles.
“A privatização é um privilégio para a iniciativa privada. A iniciativa entra sem nada, fica com o lucro e, se faltar, o estado injeta dinheiro, enquanto o governo não dá dinheiro o suficiente para as empresas estatais. O Metrô [estatal] tem que sobreviver apenas com a tarifa que arrecada”, comenta Alex Fernandes.
![Centro de Controle Operacional do Metrô de São Paulo. [Imagem: Davi Alves/Acervo Pessoal]](https://centralperiferica.eca.usp.br/wp-content/uploads/2024/09/foto-centro-de-controle-operacional-metro-300x225.jpg)
Uma causa ainda invisível
As reivindicações e preocupações desses grupos em relação à privatização ainda são pouco noticiadas pela mídia. Por mais que esses trabalhadores representem a parcela majoritária, os interesses de grande empresários coagem as ações do governo.
Em 2023, com a paralisação dos metroviários, Tarcísio de Freitas chegou a chamar a greve de “abusiva” e “ilegal”, mesmo que o direito à greve seja constitucional. O governador ainda acrescentou que “O plebiscito foi nas urnas” – referência à sua eleição -, em respostas às críticas sobre as concessões.
Quando questionado sobre a resposta do público à privatização, Sérgio Lazzarini explica que, segundo pesquisas autorais, o apoio da população à privatização aumenta substancialmente caso haja a presença de órgãos públicos que monitorem esses serviços. “Por isso, a privatização, talvez paradoxalmente, requer a presença de governos muito competentes, estabelecendo e monitorando esses parâmetros de qualidade e preço”.