A incidência das arboviroses nas periferias
A ocorrência de casos de doenças transmitidas por mosquitos nos centros urbanos estão relacionadas com o acesso ao saneamento básico e coleta de lixo
20/06/2024
Louisa Coelho Harryman e Maria Eduarda Lameza

O acúmulo de água parada cria condições ideais para a reprodução do Aedes aegypti, o vetor transmissor da dengue, febre amarela e outras viroses [Imagem: Louisa Coelho/Central Periférica]
Nos últimos meses, o Brasil vivencia um aumento considerável dos casos de dengue. Segundo dados divulgados pela Secretaria Estadual da Saúde (SES), em 2024, São Paulo já ultrapassou a marca de um milhão de casos em todo o estado. Segundo o Ministério da Saúde do Governo Federal, a dengue é considerada uma arbovirose: doença viral transmitida principalmente por artrópodes, como mosquitos e carrapatos. Além da dengue, a febre amarela, a zika e a chikungunya também são propagadas pela picada de mosquitos portadores dos seus vírus.
O Aedes aegypti é o mosquito transmissor das principais arboviroses no Brasil. Os seus criadouros são depósitos de água parada, como pneus e garrafas vazias, onde as fêmeas colocam seus ovos na superfície. Essa característica da reprodução da espécie permite que especialistas estabeleçam uma relação direta entre a incidência de casos de contaminação e as condições de saneamento básico.
O que é saneamento básico?
Saneamento básico é um conjunto de serviços de infraestrutura como abastecimento de água, coleta de esgoto, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e drenagem de águas pluviais (chuvas). Essa definição foi proposta pela Lei n° 11.445/07, que instituiu o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab).
O Plansab explica que esses serviços são essenciais para o desenvolvimento socioeconômico do país e para a qualidade de vida dos cidadãos. Isso acontece porque eles contribuem para a preservação ambiental, a redução da mortalidade e, principalmente, a prevenção de doenças, entre elas, as arboviroses.
A relação com as arboviroses
Quando não há tratamento adequado de água, esgoto e lixo, são criadas condições propícias para a reprodução do mosquito, o que explica a relação existente entre essas doenças e a falta de saneamento básico. No estudo “Abastecimento irregular de água, seu uso domiciliar e dengue: uma pesquisa biossocial no Nordeste do Brasil”, o professor de saúde coletiva da Universidade Estadual do Ceará, Andrea Caprara, explica porque as arboviroses afetam com mais intensidade as regiões periféricas:
Nos domicílios mais pobres, onde o abastecimento de água é irregular, a utilização de reservatórios como caixas d’água, cisternas, tambores, potes, cria as condições ambientais para um maior número de criadouros potenciais que poderiam incrementar a sobrevivência do Aedes aegypti.
Andrea Caprara
Segundo dados do IBGE, aproximadamente 1/4 da população brasileira não possui uma estrutura adequada de saneamento básico [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]
A realidade nas comunidades de São Paulo
Em entrevista ao Central Periférica, Emylle Cavalcante, recepcionista de uma Unidade Básica de Saúde do Jardim São Remo, bairro periférico de São Paulo, relata que a frequência da coleta de lixo na região não é suficiente: “A gente vê acúmulo de água parada, muito lixo. Tem até muito escorpião por conta disso”. Segundo ela, o principal obstáculo é a dificuldade de acesso dos caminhões de coleta no interior da comunidade.
Emylle também conta que tem recebido muitas pessoas do bairro com sintomas de dengue na UBS em que trabalha. Os moradores são encaminhados para o diagnóstico, que é feito por meio do teste-rápido e, em seguida, para o acompanhamento médico. A própria recepcionista explica que ela mesma e toda a sua família foram contaminados pela doença: “A gente ficou muito mal, não conseguimos sair da cama. Até hoje tenho sintomas, muito cansaço e dor na perna.”
Acúmulo de lixo na São Remo, que sofre com o aumento nos casos de dengue, propicia a proliferação dos mosquitos [Imagem: Maria Eduarda Lameza/Central Periférica]