Mulheres empreendedoras: além das periferias

No Brasil, o número de empreendedores na periferia cresce a cada ano,  com mais de 60% deles composto por mulheres

As empreendedoras periféricas têm ganhado cada vez mais importância no panorama econômico local e nacional  [Imagem: Clara Viterbo Nery/Central Periférica] 

O empreendedorismo periférico vem se destacando nos últimos anos pelo seu papel de transformação social e pelo incentivo da economia nas comunidades. Mas, quando se fala das empreendedoras, a representação social e o empoderamento feminino desempenham um papel tão importante quanto o econômico ao encorajar outras mulheres. A maior dificuldade, então, é desenvolver o potencial empreendedor dessas regiões, que podem se perder por falta de estímulos financeiros ou educacionais.

O impacto nas comunidades

A professora Graziella Maria Comini, coordenadora do Centro de Empreendedorismo Social da USP (Ceats), explica que o empreendedorismo tem a capacidade de, além de gerar renda para os empreendedores, criar empregos e movimentar a economia local, beneficiando a periferia de diversas maneiras.

De acordo com o mesmo levantamento, o empreendedorismo é um dos maiores sonhos profissionais de quem mora nas favelas, com mais de 6 milhões de pessoas que identificaram que tinham pretensão de abrir seus próprios negócios. Pelo grande número de interessados pela área, o empreendedorismo periférico poderia crescer e empregar cada vez mais pessoas, mas, mesmo com o apoio dentro das próprias comunidades, existem muitos desafios dentro desse processo. Para Graziella, a falta de conhecimentos de gestão, de acesso a crédito empresarial e de uma reserva inicial de dinheiro para o negócio são alguns dos principais deles.

Além disso, as discrepâncias sociais entre os empreendedores vindos de periferias e os de condições financeiras mais abastadas ficam em evidência quando se trata de investimentos e incentivos. Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, os negócios periféricos têm, em média, 37 vezes menos capital do que os realizados fora das periferias. Já as receitas obtidas são, em média, 21 vezes menores em empresas periféricas. Seria mais simples se os investimentos já existissem, mas como essa não é a realidade para a maioria desses empreendedores, cabe à própria população investir e se apoiar.

O empoderamento feminino

Por décadas, as mulheres foram reduzidas à visão de serem frágeis ou a afazeres domésticos, enquanto os seus locais de trabalho eram mostrados apenas como um espaço de carência e criminalidade. Agora, as novas empreendedoras das periferias brasileiras trabalham para mudar esse olhar e mostrar toda a potência, criatividade, qualidade e talento que as moradoras dessas regiões têm.

O empreendedorismo, que surge como uma forma de assegurar a independência financeira dessas mulheres, acaba empoderando-as e incentivando-as a criar novas oportunidades de trabalho para si mesmas – fortalecendo e ajudando a construir uma nova realidade para o futuro de diversas mulheres e das periferias.

A empreendedora Tatiana de Lima relata que começou a empreender no ramo da estética após o nascimento da filha e se sente mais empoderada por isso: “Você se sente realmente poderosa quando trabalha assim por conta. Quando eu paro para ver o tanto de coisa que eu consigo fazer sozinha, nem eu acredito: criar ela [a filha] sozinha, pagar o aluguel de casa, o aluguel do meu espaço, pagar a mensalidade da escola dela… e tudo isso da sobrancelha. Eu vivo literalmente de sobrancelha. Eu não faço outra coisa a não ser sobrancelha”.

Além disso, ela participa, junto a outras mulheres, do Projeto Empodera, fundado em 2024, na comunidade São Remo, em São Paulo. O objetivo do projeto é unir os conhecimentos de diversas profissionais que já atuam na área e produzir eventos para motivar e fortalecer outras mulheres. “A gente está tentando, de alguma forma, ajudar essas mulheres a se destacarem e não se sentirem inferiores por atender em comunidade”, conta Tatiana.

Integrantes do Projeto Empodera [Imagem: Monica Paiva/Reprodução] 

Empreender em comunidades e para comunidades tem seus desafios, mas é recompensador na medida que inspira outras jovens empreendedoras a seguir com seus sonhos: “A gente [mulheres] tem que dar a mão e daqui ganhar o mundo, para depois servirmos como exemplo para as outras meninas que estão vindo […] e elas verem que não é só porque elas atendem dentro de um beco, que nem eu também já atendi, e nem por isso eu desisti”.