Entrevista Exclusiva: Lara Júlia sobre a ColetivA Ocupação e Erupção

Atriz que interpreta Victoria Montou durante a Revolução Haitiana conta sobre o processo criativo e recepção do público

Após encerrar suas exibições de Erupção – O levante ainda não terminou no teatro da Universidade de São Paulo (USP), a ColetivA Ocupação inicia uma pausa para retornar no próximo semestre. Com mais de 30 apresentações já realizadas, o sucesso da performance é inegável e representa saberes, lutas e histórias de corpos em erupção lutando pela resistência e própria existência.

“Ao representar a revolução do Haiti, eu não apenas atuo, mas também trago comigo a história das minhas próprias ancestralidades. Isso traz uma carga emocional intensa, mas também uma oportunidade de ressignificar essas histórias dolorosas”. Afirma Lara Júlia, mestranda da UNESP e formada pela mesma na licenciatura de Arte-Teatro, que nos deu uma visão detalhada e pessoal sobre a ColetivA Ocupação e o espetáculo Erupção

ERUPÇÃO, da ColetivA Ocupação [Imagem: Mayra Azzi/Reprodução]

A ColetivA “Ocupação”

“Não existe uma seleção para participar do grupo. Foi a partir dos encontros e da vontade de fazer teatro que eu consegui entrar. Inicialmente, eu entrei como assistente de direção junto com a Martha, a diretora, mas aos poucos fui me envolvendo mais com a cena”, relata Lara. “A ideia é que não necessariamente para se fazer arte você precisa ser considerado um artista dentro da classe artística. A gente fazia teatro nas escolas ocupadas e estendeu isso para outros espaços.”

Sobre os objetivos da ColetivA, ela destaca a importância de democratizar o acesso à arte e utilizar o teatro como ferramenta de resistência e conscientização. “Queríamos mostrar que todos podem fazer arte, independentemente de reconhecimento formal. Nas ocupações realizávamos saraus, rodas de música e várias demonstrações artísticas. Isso gradualmente se transformou na nossa prática.”

Inspiração para o espetáculo 

Ao ser perguntada sobre a inspiração para Erupção, a atriz demonstra entusiasmo: “A ideia surgiu como uma forma de continuarmos artisticamente ativos durante a pandemia. Recebemos apoio para criar algo novo, mas a pandemia impediu encontros presenciais. Então, começamos a explorar o teatro online, o que inicialmente parecia desafiador.” 

Ela ressalta sua participação ativa em fomentar essa transição para o digital. “Eu incentivava muito os encontros online. Inicialmente, eu estava relutante, mas depois vi o potencial que existia. Criamos um plano de ação e experimentamos dinâmicas diversas, como meditação imersiva e propostas de dança via Zoom. Isso manteve o organismo vivo.” 

 A ColetivA Ocupação baseou parte de sua criação em estudos de filósofos e pensadores, como Ailton Krenak e Denise Ferreira da Silva. “Nos inspiramos em estudos sobre o fim do mundo e a recusa dele, explorando imaginários de reconstrução de mundos […] esses estudos alimentaram nossos encontros e práticas, levando-nos a uma conexão com nossas ancestralidades”, explica. 

Ailton Krenak [Imagem: Reprodução/Wikimedia Commons]

O processo criativo

Durante o desenvolvimento de Erupção, o grupo se dividiu em várias frentes: dramaturgia, corporalidade, música e visualidades. A performer participou de diversas frentes antes de se focar mais na atuação. “Comecei na frente de dramaturgia, me envolvi com a frente de corpo e música, áreas que me atraem muito.”

Ao interpretar Victoria Montou na Revolução Haitiana, Lara emociona o público. Conta que a preparação para o papel envolveu um mergulho profundo nas suas histórias familiares. “Cada vez que entro em cena, sinto como se estivesse trazendo três gerações da minha família para falar através de mim. Isso dá à minha performance uma força que vai além de mim mesma.”

O ambiente sonoro

A música desempenha um papel crucial em Erupção, combinando elementos do funk paulista e do techno. “A música não é apenas um complemento, mas uma camada essencial da performance. Cada escolha sonora é deliberada e contribui para a narrativa e a emoção da peça.” Ela destaca a importância da música na performance, não apenas como um complemento, mas como uma camada essencial. 

“A música é parte intrínseca da nossa vida e comunicação. Ela movimenta nossos corpos, nos conecta às nossas raízes e nos permite expressar nossas emoções”, diz. “Temos pessoas no grupo com uma conexão profunda com a música. Elas trouxeram suas experiências e contribuíram para enriquecer a sonoridade do espetáculo.”

A artista conta que seria impossível a última cena sem o “tuin tuin” da sirene comum no funk paulistano e chama atenção para a empolgação do público durante ela. “Você pode estar muito cansada, muito. Mas quando vem um ‘tuin’, um funk ‘tuin’, você quer voltar. Você quer comemorar. Você quer deixar seu corpo fluir assim, a sua energia fluir”

A resposta do público e o impacto da ColetivA

Lara expressa gratidão pelo público receptivo e envolvido que acompanha a ColetivA Ocupação. “Boa parte do público é muito carinhoso. Até agora, construímos um público que nos acompanha muito interessado e disposto a nos escutar e experimentar aquilo que nós estamos propondo. Teatro contemporâneo é maluquice. As pessoas que veem a primeira vez ficam meio assim, né?”, compartilha. 

Participar de Erupção não apenas a desafiou como artista, mas também a inspirou a buscar novos horizontes e desafios. “A ColetivA Ocupação me lembra da coragem que tinha aos dezesseis anos, quando pulei muros da escola na ocupação. Agora estou no meu mestrado em artes cênicas. Isso me provoca nesse lugar, pra onde você vai agora?”

Lara Júlia em Erupção [Imagem: Mayra Azzi/Reprodução]
Lara Júlia em Erupção [Imagem: Mayra Azzi/Reprodução]