Saúde sexual e reprodutiva é direito de todos
Acesso precarizado à educação e saúde sexual expõe jovens da periferia a maiores riscos
04/06/2024
Catarina Bacci, Gabriela Nangino, Theo Schwan
Casa do Adolescente, Pinheiros (SP) [Imagem: Theo Schwan/Central Periférica]
O dia 18 de maio foi instituído por lei como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Nesse sábado, os espaços sociais são incentivados a promover atividades de conscientização e prevenção contra a violência sexual. O Maio Laranja é uma iniciativa que pretende dar visibilidade à gravidade dos dados registrados no Brasil: a cada hora, 3 crianças são violentadas, 51% delas entre 1 a 5 anos de idade. Estima-se que somente 7,5% do total de casos são denunciados às autoridades.
Mas nem toda a população é igualmente vulnerável: as crianças e jovens que moram nas periferias têm menor acesso à educação sexual e sofrem com serviços de saúde precários, entre eles a assistência sexual e reprodutiva. Por isso, eles se tornam mais suscetíveis a situações de violência, além de estarem mais expostos a ISTs e gravidezes indesejadas.
O risco da desigualdade
Cientistas da USP e da Unifesp realizaram uma pesquisa que entrevistou moradores de 14 e 19 anos de favelas na região de Santo André sobre saúde sexual. Quando questionados sobre suas fontes de informação acerca da temática, a maioria das respostas foi referente a colegas, primos e irmãos. Agentes familiares adultos corresponderam a 16% das respostas, enquanto apenas 10% indicaram a escola como fonte, refletindo a lacuna na educação pública acerca do assunto.
O Mapa das Desigualdades de 2023, elaborado pela Rede Nossa São Paulo, registrou alta no índice de gravidez na adolescência em regiões marginalizadas, quando comparado a regiões mais centrais da capital paulista. Muitas vezes, essa diferença é fruto do desconhecimento ou do mau uso de métodos contraceptivos entre jovens nas periferias. Segundo a pesquisa, a maternidade adolescente diminui as perspectivas em relação à escolaridade e à futura inserção no mercado de trabalho das mães, causando a manutenção de um ciclo de vulnerabilidade social.
[Imagem: Reprodução/SINASC/CEInfo/SMS-SP]
Para Célia Barreto, que atua no Serviço de Assistência Especializada (SAE) em IST/AIDS de São Mateus, na zona Leste paulistana, esse debate é importante, mas tende a deixar de lado outro fator essencial dos métodos de prevenção: garantir uma vida sexual saudável. Em entrevista para o Periferia em Movimento, Célia afirmou que muitos jovens se preocupam somente com gravidez, mas desconhecem o perigo das ISTs. “Por isso, [existe] a necessidade de sempre discutir, levar conhecimento, mostrar a importância da prevenção”.
Fantasmas da Covid
O problema não é só educacional: o acesso ao atendimento médico também não é igualitário. Raphael Guimarães, pesquisador na Fundação Oswaldo Cruz, conduziu um estudo sobre a mortalidade materna durante a pandemia do Covid-19. Um dos resultados apontados foi o maior risco de mortalidade entre mulheres jovens.
Em entrevista, ele explica que o perfil de idade das gestantes no Brasil é atípico. “O que vemos no Brasil é uma curva crescente de mulheres jovens engravidando, e uma outra curva de mulheres mais velhas”. Segundo Raphael, mulheres que têm filhos depois dos 35 anos são as que têm melhor acesso ao serviço de saúde e melhor condição de vida, por isso se tornaram, frente à população média, mais protegidas das questões que envolveram a pandemia.
De acordo com o pesquisador, a assistência obstétrica ficou prejudicada no período, mas não de forma igualitária para toda a população. “O efeito dos fatores de risco, das comorbidades ou dos sintomas [do Covid-19] foi […] muito sutil. O que realmente fez diferença em termos de associação com a mortalidade materna foi os determinantes sociais.”
Ele afirma que existe um preconceito sistemático com as gestantes periféricas. Segundo sua pesquisa, a raça é um fator marcante – a mortalidade materna entre as pretas foi muito maior do que entre as brancas. A mortalidade de mulheres que viviam em zona rural foi maior do que na zona urbana, e a de mulheres atendidas em hospitais do seu próprio município foi menor do que a das que precisavam se deslocar para serem atendidas em outro.
Quem pode ajudar?
Existem importantes iniciativas em São Paulo para combater essa situação. A Casa Ser – Centro de Atenção à Saúde Sexual e Reprodutiva Maria Auxiliadora Lara Barcelos, realiza atendimentos restritos à região da Cidade Tiradentes, mas recebe qualquer usuário que procure a instituição em situação de violência.
O centro comemora 20 anos de funcionamento e oferece serviços médicos, farmacêuticos e psicológicos. A casa promove palestras sobre a Saúde da Mulher e Planejamento Familiar, abordando questões de gênero, violência, prevenção de ISTs, gestação e contracepção.
Também são feitas oficinas de orientação sobre sexualidade responsável para adultos e adolescentes, grupos de menopausa e climatério, entre outros projetos. Em fevereiro de 2020 a instituição se tornou referência na aplicação de hormônios voltada para a população trans, ano no qual foram realizados 74 atendimentos.
A Casa do Adolescente, fundada em São Paulo em 1991, é outro programa da Secretaria de Estado da Saúde, que oferece consultas individuais a jovens e reuniões sobre assuntos como gravidez na adolescência e ISTs. O programa possui unidades em diversas regiões da cidade e pretende ser agente transformador na vida dos adolescentes, contando com diversos profissionais especializados em orientação sexual. Em 2023, a Unidade Pinheiros se tornou um centro de referência internacional, a partir de uma parceria entre a Secretaria da Saúde e a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Cartaz exposto na Casa do Adolescente [Imagem: Gabriela Nangino/Central Periférica]