Covid pode causar queda de cabelo e manchas na pele a longo prazo
Mulheres que contraíram a doença tiveram sequelas dermatológicas. “Não me sinto mais como era antes”, diz uma delas. Moradores da periferia têm dificuldade no acesso ao atendimento médico e tratamento dos sintomas
27/04/2024
Fernanda Franco e Júlia Sardinha

A queda capilar é a manifestação dermatológica mais observada pós-covid [Imagem: Vilma Santana/Acervo Pessoal]
A “covid-longa” ou “pós-covid” é uma doença reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que normalmente começa a se manifestar em até três meses após o início da infecção viral. Mesmo com os benefícios da vacinação, essa condição continua a ser uma realidade na vida de muitas pessoas, sendo os pacientes da periferia os mais prejudicados por essas sequelas. Por dependerem do atendimento da rede pública de saúde, esse grupo enfrenta dificuldades para ter um diagnóstico e acesso ao tratamento.
Problemas respiratórios, perda de memória, alterações no olfato ou paladar, fadiga, insônia e ansiedade estão entre os sintomas mais comuns da covid-longa. Porém, eles não são os únicos: queda de cabelos, vermelhidões, manchas e maior sensibilidade na pele também podem ser sintomas posteriores à contaminação pelo coronavírus. Se trata de sequelas dermatológicas.
Este é o caso de Vilma Santana, 50 anos, que desde 2020, quando contraiu o vírus pela primeira – e única – vez, convive com essas e outras sequelas da covid-19. Além da pressão alta e de sentir cansaço com mais frequência, ela percebeu uma queda de cabelo mais volumosa três meses após ter se recuperado da infecção, e que ainda se mantém.
“Meu cabelo estava caindo muito e continua assim até hoje. Além disso, ele está bem fininho. Eu não me sinto mais como era antes”
Vilma Santana
Vilma também conta que, recentemente, passou a apresentar alergias dermatológicas esporádicas: “a pele arde, fica com manchas vermelhas e cheia de ‘caroços’, como se eu tivesse sido picada por um mosquito”.
No entanto, ressalta que a queda de cabelo é o que mais a incomoda, preferindo deixá-lo mais amarrado do que solto e, às vezes,escová-lo para dar mais volume.
Ela não está sozinha nessa situação. Katiuscia Yamakami, 47 anos, também apresentou a mesma sequela por quase um ano. Notou o problema logo, cerca de 20 dias após a sua primeira infecção pelo coronavírus – em 2021 – enquanto lavava o cabelo no banho.
“Depois fiquei mais paranoica quando via ‘chumaços’ de cabelo no chão. Tinha que ficar limpando a casa toda hora”
Katiuscia Yamakami
De acordo com a dermatologista Alessandra Juliboni Garcia – médica do SUS há 20 anos -, “o eflúvio telógeno [queda capilar em excesso] é, provavelmente, a manifestação dermatológica mais observada da covid-longa, ocorrendo entre 30 a 60 dias após a infecção”. Outros sintomas associados são a tricodinia (dor e sensibilidade aumentada no couro cabeludo), a síndrome da pele sensível (pele frequentemente avermelhada, com lesões pouco visíveis ou sem quaisquer lesões) e alterações vasculares (como eritema pérnio símile).
Uma vez que há semelhanças dessas reações com as de outras doenças, é muito comum que a população se confunda sobre as verdadeiras causas desses sintomas dermatológicos, especialmente por serem consideradas sequelas ‘leves’. A maioria não atribui a queda ao fato de terem tido covid-19, sendo um questionamento comum. Alessandra comenta que não é fácil a identificação dos sintomas, principalmente quando o paciente foi assintomático durante a infecção e/ou não fez o teste de covid – o que dificulta a orientação médica correta e até mesmo a computação dos dados pelo sistema de saúde.
“É sempre bom procurar um dermatologista em caso de qualquer alteração observada na pele, cabelos ou unhas, para que o paciente seja orientado sobre o que está acontecendo e quais as possibilidades de tratamento ou acompanhamento médico”
Alessandra Garcia, dermatologista
Também dermatologista, Guilherme Valério acrescenta que o diagnóstico tem sido mais complicado devido ao atual surto de dengue na população – doença que também apresenta a queda capilar como um dos seus sintomas. Segundo ele, concluir que há uma ligação entre o coronavírus e estas consequências dermatológicas é um processo demorado, uma vez que é preciso investigar os relatos feitos pelos pacientes através de exames.
Parcela avassaladora das queixas provém do público feminino – cerca de 80%. Valério ressalta que “é bem comum atender pacientes com sequelas pós-covid”, com 40% deles apresentando queda de cabelo em excesso como principal efeito pós-viral.
Apesar da covid-longa ainda não possuir testes específicos para identificação, existem tratamentos diversos para perda capilar e manchas na pele que podem ser indicados pelos especialistas na área – como medicamentos orais, medicamentos tópicos (aplicados na superfície da pele), vitaminas e tratamentos estéticos secundários.
Dificuldades nas periferias
Para os moradores das periferias, ter um diagnóstico médico para essas sequelas estéticas não é simples. “Há uma maior dificuldade ao acesso para essa população; acesso este relacionado com a dificuldade de se conseguir uma consulta com um especialista pela rede pública e de ter condições financeiras para arcar com os custos dos medicamentos”, afirma Guilherme.
Vilma é mãe e trabalha de segunda a sábado, levando quase duas horas no transporte público para se deslocar da sua casa – no Jardim Vista Alegre, zona norte de São Paulo – até o trabalho. Frente a sua rotina exaustiva, ela conta que tem dificuldade em ser atendida pela rede pública devido a demora no atendimento e pelos horários específicos das consultas – não sendo compatíveis com as suas responsabilidades cotidianas. Além disso, relembra que, por conta dos casos de dengue e gripe recentes, as UBSs estão muito lotadas, deixando-a com receio de se expor e acabar adoecendo.
“Não tenho tempo de me cuidar. É muito difícil conseguir agendar uma consulta com um dermatologista pelo SUS. A gente sabe que [a saúde] é um direito, mas no fim, nossa saúde a gente deixa para lá”
Vilma Santana
Mesmo com as complicações atuais, Vilma menciona já ter feito o teste de covid, bem como já ter passado em consulta com um médico. Porém, ela não teve resultados. “Os médicos não me deram um diagnóstico preciso para evitar esses sintomas, além de que os remédios e vitaminas eram um pouco caros, sendo difícil manter a regularidade dentro da minha rotina”, conta ela. Apesar do insucesso inicial, Vilma enfatiza que almeja iniciar um novo tratamento o quanto antes, provavelmente nas férias.
O que esperar?
Katiuscia e Vilma contam que, antes de irem buscar ajuda médica, hesitaram em relacionar a queda de cabelo com a covid-19. Dúvida esta que foi fomentada pelo desconhecimento, de ambas, sobre o que era a covid-longa. As duas mulheres disseram sentir falta de ver a discussão sobre a doença e seus sintomas nos veículos de notícias – como na televisão. E mesmo tendo a esperança de que esta situação passará para todos aqueles que foram acometidos, elas afirmam sentirem a falta de orientações do governo sobre estudos do pós-covid.
Em março deste ano, o Ministério da Saúde iniciou a segunda fase da coleta de dados do maior estudo de base populacional sobre a covid-19 no Brasil. A pesquisa, denominada Epicovid 2.0, tem como objetivo levantar dados sobre as sequelas do coronavírus na população para subsidiar a criação de políticas públicas direcionadas ao tratamento da covid-longa. Nesta fase, serão feitas visitas domiciliares a 33,2 mil pessoas que tiveram a doença, em 133 municípios brasileiros.