A importância do Rap e do Slam para a emancipação intelectual de jovens periféricos

Vertentes do hip-hop, a literatura marginal tem ganhado força em todo o país

Por Gabriella dos Santos e Matheus Andriani

Foto: Renata Armelin/Divulgação

Originado nos anos 1970 no bairro do Bronx, em Nova York, o Rap emergiu como uma poderosa manifestação cultural, especialmente para muitos jovens negros e periféricos no Brasil a partir do final dos anos 1980. Ao abordar questões como desigualdade social, racismo e preconceitos, o rap transcende a mera classificação como um gênero musical, ele se configura como um meio de comunicação que expressa as angústias e as denúncias de comunidades marginalizadas.

O “Slam Poetry”, ou batalha de poesias faladas, segue uma lógica semelhante. Trazido dos Estados Unidos, esse movimento ganhou força no Brasil no início do século XXI, conquistando muitos jovens nas periferias da capital paulista. A prática  que consiste em recitar poesias que dão voz a essas realidades, tem se mostrado uma ferramenta poderosa de expressão e resistência.

A arte marginal como instrumento de resgate

Em entrevista ao Jornal da USP, o DJ KL Jay, integrante dos Racionais, destacou o impacto do rap na emancipação intelectual e cultural da população negra e periférica brasileira: “[O rap] trouxe autoestima para muitos pretos, tirou muita gente do crime e do estado invisível e miserável em que eles foram educados”, pontua o rapper.

Atualmente, a prática do Slam tem se fortalecido entre os jovens de São Paulo. Um exemplo notável é o poeta Marcos Vieira, de 17 anos, campeão do Campeonato de Slam Interescolar de São Paulo em 2024 e autor de três livros de poesia marginal. Ele conta que, no início, a poesia lhe era indiferente, pois não refletia sua realidade: “Eu não gostava muito de poesia porque era Cecília Meireles, o Vinicius de Moraes, essa galera mais clássica, mais erudita, e eu não me reconhecia naquelas palavras”, relata o jovem.

Tudo mudou no sexto ano do ensino fundamental, quando sua professora apresentou, durante uma aula de leitura, um vídeo do slammer Cleyton Mendes. Marcos afirma que, a partir daquele momento, sua vida “foi salva”, pois, pela primeira vez, viu a possibilidade de expressar tudo aquilo que sentia.

Para ele, tanto a cultura hip-hop quanto a poesia marginal têm o poder de transformar realidades, e ele usa sua própria trajetória como exemplo. “O hip-hop e a literatura marginal me salvaram, e me salvam todos os dias. Porque eu só me entendi como sujeito histórico no mundo no dia em que li Quarto de Despejo, afirma.

Para ele, a cultura hip-hop e o slam têm o poder de mudar realidades e toma como exemplo sua própria história. “O hip-hop e a literatura marginal me salvaram e me salvam todos os dias. Porque eu só me entendi como sujeito histórico e como pessoa viva no mundo no dia em que eu tive o quarto de despejo nas mãos para ler”, pontua.

Hoje eu digo que a poesia é o meu meio de sobrevivência, é o meu jeito de não permitir que o mundo me engula no final do dia

Poeta Marcos Vieira

Marcos já ganhou destaque na cena da poesia marginal e pretende crescer ainda mais. Atualmente, suas poesias já estão presentes em livros didáticos e provas das redes públicas de ensino de São Paulo. Além disso, ele realiza palestras e formações com professores e estudantes, compartilhando sua história com o Slam e inspirando outros jovens a seguirem o caminho da arte marginal.

Resistir em meio à invisibilidade

Em meio à selva de pedra e ao fluxo intenso da Zona Leste de São Paulo, a poesia achou um palco para se manifestar. Desde 2012, a estação Guilhermina-Esperança acolhe o Slam da Guilhermina. Criado por Emerson Alcalde, junto a outros artistas e ativistas locais, o slam nasceu do desejo de ocupar espaços públicos com arte e a voz das comunidades. 

“O slam funciona como um centro de aprendizado literário e político”, explica Alcaide. Para ele, o movimento é mais do que uma simples competição de poesia, é um espaço seguro para ouvir e ser ouvido, algo raro para muitos jovens marginalizados. “Ele transforma as pessoas de dentro para fora. E é isso que a gente sempre ouve delas”, complementa. 

A rua é nossa base, mas as escolas públicas das periferias são nosso objetivo

Emerson Alcaide

Na visão de Alcaide, o slam também desafia a mídia tradicional e a lógica do sistema capitalista. “A mídia mostra apenas um lado da realidade. O slam traz à tona questões sociais, raciais, de gênero, levanta temas que não são abordados pela grande mídia”. Ele ressalta ainda a importância do hip-hop e do rap para fortalecer a autoestima das pessoas da periferia, especialmente pessoas pretas: “O hip-hop ensinou a ter orgulho de quem você é, com a sua forma de falar, com o seu cabelo, com o seu corpo”.